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I.A. na Música: disrupção e disputas por autoria e valor marcam o início da nova era digital

  • Foto do escritor: Revista Curió
    Revista Curió
  • 3 de out.
  • 4 min de leitura

Por: Erick Martins

Última Atualização: 03/10/2025


Do vinil ao streaming, a tecnologia não só permitiu novas batidas, mas expandiu limites criativos e redesenhou a lógica de distribuição. Música e indústria se transformaram de forma física, sonora e monetária ao longo das últimas décadas. Agora, é a inteligência artificial quem propõe novos caminhos para se produzir e circular arte. Basta pedir “uma canção de amor” e, instantaneamente, a discografia de Djavan, o disco mais recente da Charli XCX e até mesmo o acervo digital de Tarsila do Amaral se condensam entre milhares de outros dados para chegar ao resultado. Sob a proposta de valor de “democratizar” o acesso, a ferramenta usa da intenção humana como ponto de partida, mas é a lógica da máquina quem materializa a criação, tensionando noções de autoria, compensação e controle dos meios de produção.



Do manifesto natural ao sertanejo sintético: a I.A. tem a ref. certa para criar tudo.



O uso da ferramenta já é bem amplo. Björk, por exemplo, usou a I.A. para recriar sons de animais extintos em “Natural Manifesto”, instalação apresentada em Paris. A obra pretendia ser uma ponte sônica entre natureza e humanidade, uma experiência imersiva que reflete sobre o passado em alerta sobre o futuro e preservação da biodiversidade.



Já Gustavo Sali, com “as I.A.s mais famosas e atuais do mercado, algumas ainda em estágios recentes”, como declarou ao G1, deu vida à cantora de sertanejo fictícia Tocanna. Recentemente, a artista virou pauta de discussões na internet após decidir retirar das plataformas o hit viral São Paulo. O motivo foi uma notificação de violação de direitos autorais pela referência não creditada ao clássico Empire State of Mind, de Alicia Keys e Jay-Z.


No caso de “São Paulo”, fica claro que a canção pretendia ser uma paródia do dueto original. Mas a questão se complica quando o comando enviado à máquina é menos explícito, como pedir que soe “levemente parecida”. Neste caso, seria possível rastrear a origem de todos os dados que compuseram a faixa?


Prédio do The New York Times' e Sam Altman, CEO da Open AI. Fonte: Lindsey Nicholson/UCG/Universal Images Group via Getty Images; Win McNamee/Getty Images
Prédio do The New York Times' e Sam Altman, CEO da Open AI. Fonte: Lindsey Nicholson/UCG/Universal Images Group via Getty Images; Win McNamee/Getty Images


No campo da arte, não há exigência de documentação sobre os dados usados no treinamento das I.A.s. Também não existem leis universais que proíbam o uso de obras registradas, só há restrição quando a máquina devolve uma cópia exata da obra protegida. Essa falta de clareza ficou ainda mais escancarada quando a OpenAI, desenvolvedora do Chat GPT, admitiu que não evoluiria sem material protegido ao ser processada pelo The New York Times por violação de direitos autorais. A tecnologia avança mais rápido que a legislação, deixando em aberto quem é dono do quê. Consultado sobre o tema, Vitor Silvino, advogado de Propriedade Intelectual, comenta que “a IA deve ser transparente, as empresas ou pessoas desenvolvedoras deveriam declarar quais obras foram usadas para treinar seus modelos, para que autores possam requerer remuneração proporcional”.



Artistas vs. Algoritmos: a disputa por visibilidade no ambiente das plataformas.


O debate divide opiniões entre público, indústria e artistas. A possibilidade de se imitar vozes, estilos, traços ou até mesmo características mais subjetivas, como a perspectiva de um artista, intensificam o debate entre criação versus cópia. Aqui, a própria noção do que se pode considerar um “artista” também passa a ser colocada em xeque, já que gravadoras como a Warner já apostam em tecnologias de criação autônomas focadas em  capturar atenção de ouvintes de forma algorítmica. 




Veja como outros artistas se pronunciaram sobre o tema em suas redes sociais: 



Tradução Live: “Ei, eu odeio IA. Se você me conhece, POR FAVOR, não faça

nenhuma imagem de IA de mim ou

músicas. Pessoas e crianças

estão morrendo por causa do dano

e da poluição que os centros de

energia de IA estão criando. Uma

foto estúpida não vale

a pena poluir e prejudicar

comunidades. Obrigada.


PS: POR FAVOR, SAIBA QUE TODA

VEZ QUE VOCÊ USA OU CRIA

UMA IA, UMA COMUNIDADE

ESQUECIDA ESTÁ SOFRENDO.

Eventualmente, os efeitos

chegarão a todos. Quando isso

acontecer, já será tarde.”



A I.A. promete o início de um novo futuro, uma revolução não apenas técnica, mas cultural.


Sob projeções de impacto e riscos estruturais em todas as esferas da vida contemporânea, a ferramenta divide debates éticos, jurídicos e até filosóficos. Mas, diferentemente de outras disrupções tecnológicas na música, dessa vez, não é a força da arte que rege o campo gravitacional, mas sim a força do mercado. Por um lado, os avanços de ferramentas digitais de criação representam um novo horizonte de possibilidades na criação audiovisual. Mas por outro, o controle dos meios de produção levanta incertezas sobre o futuro da indústria, já que sua chegada na música é apenas um desdobramento, não o cerne. 


Atualmente, ainda estamos distantes do caminho concreto para uma escalada tecnológica que garanta a sustentabilidade do ecossistema. As dúvidas e incertezas mais urgentes sobre a tecnologia seguem sem muitos esclarecimentos. Ironicamente, nem os milhares de dados e infinita capacidade de processamento ajudam a chegar em uma resposta viável para o problema. Faltam-lhe a compreensão humana, o julgamento ético e a capacidade de navegar nuances sociais para orquestrar as soluções tão complexas que o tema exige.


No Brasil e em outros países já existem iniciativas em discussão de setores públicos e privados, que visam garantir um desenvolvimento ético da tecnologia. Na Europa, a lei chamada Artificial Intelligence Act (ou AI Act), que entrou em vigor em 2024, estabelece políticas de respeito aos direitos autorais e exige transparência nos dados de treinamento. Já no Congresso Nacional brasileiro, tramitam os projetos de lei PL 2338/2023, PL 1473/2023 e PL 3656/2024, que buscam regulamentar o uso e desenvolvimento da inteligência artificial com relação à criação. O que ainda impede avanços concretos na agenda legislativa é justamente quem se senta à mesa do debate: Interesses privados e tensões geopolíticas que conflitam em chegar a soluções de comum acordo.

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