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Mateus ‘Fazeno’ Rock: a juventude negra e periférica reinventando a arte

  • Foto do escritor: Revista Curió
    Revista Curió
  • 27 de ago.
  • 6 min de leitura

Considerado uma revelação do cenário nacional, Mateus levou o rock de favela para a programação da Festa da Luz em Belo Horizonte.


Por: Ynaê Januário e Hannah Baudson

Última Atualização: 27/08/2025


Foto: Jorge Silvestre/Divulgação
Foto: Jorge Silvestre/Divulgação

Mateus Fazeno Rock é cria da Sapiranga, periferia de Fortaleza (CE). No primeiro dia de agosto deste ano, o artista lançou o seu terceiro álbum, intitulado Lá Na Zárea Todos Querem Viver Bem, com 10 faixas inéditas. 


Suas obras incorporam uma série de referências afrodiaspóricas ao rock, contrapondo a hegemonia presente no gênero com narrativas sobre a saúde mental e o imaginário coletivo do jovem periférico a partir de sua própria vivência. 


A revelação do cenário nacional levou o rock de favela para o palco Muma da Festa da Luz em Belo Horizonte. O show aconteceu na noite de sábado, dia 16 de agosto, e estremeceu a Praça da Estação que estava iluminada e repleta de transeuntes e fãs.


Festa da Luz BH
Festa da Luz BH

Convidamos Mateus para falar sobre a sua carreira e as expectativas de apresentar seu novo trabalho ao público mineiro. Confira a entrevista a seguir.

Quem é Mateus Fazeno Rock?


Salve, eu sou o Mateus, né? vulgo Mateus Fazeno Rock, principalmente quando eu tô trabalhando.


Meu principal trabalho é esse, é ser o Mateus Fazeno Rock, trabalhando com música e minha pesquisa envolve o rock como base e ritmos pretos, ritmos afrodiaspóricos, ritmos periféricos, ritmo de favela. É por aí, eu gosto de criar é nesse ambiente.


Como você percebe a recepção do público comparando seu primeiro álbum, Rolê nas Ruínas, lançado em 2020, com o atual, Lá Na Zárea Todos Querem Viver Bem?


É uma caminhada que eu venho trilhando. Quando eu lancei o [disco] Rolê nas Ruínas, eu tava num outro contexto de cidade, de relação com a cidade também. O meu horizonte era Fortaleza.


Eu, nessa época, ainda ‘tava’ num contexto antes da pandemia, eu divulguei bastante essas músicas dentro dos saraus e de outros espaços que eu costumava frequentar. Então, quando eu lancei meu álbum dentro de um determinado ciclo fortalezense, foi bem esperado, né? Eu senti que foi bem recebido. E depois ele foi tomando uma caminhada meio própria na internet que foi me fazendo chegar em outros públicos de outras cidades assim, mas muito ‘devagarzinho’. Eu percebo na verdade como uma caminhada. 


Aí quando eu lanço agora o meu terceiro álbum, Lá Na Zárea Todos Querem Viver Bem, entre esses dois tem o Jesus Ñ Voltará, que foi o álbum que permitiu que eu viajasse, passasse por algumas cidades. Então, acho que tem uma história aí sendo contada e outras relações sendo construídas com outras cidades. 


Eu estou bem feliz com a receptividade que esse novo álbum recebeu e bem feliz com a caminhada que eu venho fazendo, do Rolê Nas Ruínas para cá tem 5 anos pelo menos [que eu vivo] esse corre todo. Entre um e outro, 6 anos mais ou menos.


Mateus, a juventude negra e periférica, principalmente da sua geração, foi muito carente de referências racializadas no cenário do rock, visto que o gênero passou por um processo de homogeneização do discurso que acabou afastando esse público. 


Como você descreveria esse momento de retomada da narrativa, pensando que o rock também é música preta?


Eu acredito que essa retomada brasileira dentro do gênero é uma resposta de tudo que foi discutido nos últimos anos e na verdade uma resposta até mesmo de outras pessoas que vieram abrindo o caminho lá atrás, né? Outros artistas que, por mais que não fossem exatamente do rock, elaboraram o gênero dentro das suas criações. E eu acho que mais do que tudo essa tomada de consciência coletiva sobre a nossa liberdade, a essa busca por memória, assim.


Eu acho que existe um processo. Eu me vejo muito nesse processo de alguém que busca por memória. Não só por criar memórias, mas por reconhecer e se reconectar com memórias que foram distanciadas de nós.


Então, eu acho que criar dentro do rock, criar esse espaço novo dentro de um lugar do qual a gente não tava fazendo parte nos últimos anos, é uma parte desse caminho. Os preto que tão fazendo rock no Brasil, de alguma forma, são uma parte do caminho como um todo, assim, nessa retomada de memória que a gente faz dentro da arte também.


As referências são muito importantes pra gente se reconhecer enquanto ser humano no mundo, né? 


Ainda falando um pouco sobre isso, se fosse pra citar algum(a) artista ou obra musical que te inspira muito, qual seria?


Ai, eu sempre fico muito paralisado diante dessa pergunta das referências, porque no fim eu sou fruto de tantas referências também tão diversas que eu sinto que quando eu dou uma entrevista eu aponto para uma eu apago outra, sabe?


Muitas vezes eu tenho vontade de citar alguma pessoa mais velha que eu admire. Ao mesmo tempo, [tenho] muita vontade de citar alguém que tá do meu lado, assim. Então, é muito complicado para mim. É difícil mesmo. Mas eu vou citar um álbum que, na verdade, mora muito no meu coração.


Não sei se ele é exatamente uma referência tão direta ao som que eu faço. Mas pelo menos é algo que me move que que eu guardo ali com carinho, tenho um sentimento por esse álbum. Vinte Palavras ao Redor do Sol da Cátia de França. Inclusive é a artista (ênfase na entonação) assim, eu sempre cito ela nas entrevistas porque eu realmente acho sensacional, muito foda. Negona do blues da música nordestina.


No seu nome artístico você usa o ‘Fazeno’ de forma intencional, ao invés de usar ’fazendo’. No disco novo você também usa o ‘Na Zárea’ ao invés de ‘nas áreas’. 


Fale um pouco pra nós sobre essa escolha de reafirmar a linguagem popular na sua obra.


Existe uma imposição muito fodida que tem voltado nos últimos anos, pelo menos com o uso da internet eu observo muito isso, que é o rolê do preconceito linguístico, a imposição da língua, da norma culta. E é a destreza de alguém utilizar a norma culta da língua [que] agrega valor social ao que essa pessoa fala, né?


Então, se por acaso eu for me defender em algum lugar e eu falar “errado”, rola um desmerecimento. Eu acredito muito que tem um monte de ciência, saberes e sabedorias que são negligenciados, apagados e deixados de lado porque a gente dá muito valor à norma da língua portuguesa imposta pelos colonizadores e adaptada por nós… Enfim. E a oralidade se perde nisso aí. 


O ‘Fazeno’ e o ‘Na Zárea’, tão dentro pelo menos da oralidade da língua que eu conheço falada aqui no Ceará. Não é que todas as pessoas falam assim, mas aqui se fala assim. Isso é um marcador social também, mas é um pontinho no cotidiano, né?


E se a gente for pensar nos nossos avós, nós pessoas negras, a maioria dos nossos avós não são alfabetizados. Minha avó não é uma mulher alfabetizada, porém é uma mulher muito inteligente, [e ela] não tem o uso da norma culta.


Os preto-velho que estão no terreiro e que dão conselhos, eles não falam português “correto”, né? Porém, dou muito mais valor pro conselho de um preto-velho do que um conselho de um branco velho (risada).


Essas escolhas que eu fiz na minha obra como um todo é muito nesse pensamento da oralidade assim. A música cantada ela é um dos locais onde a cultura da oralidade é exercitada. Então eu vou por aí. É esse caminho aí que eu fico sentindo de seguir.


Nessa nova fase, que o público pode esperar do álbum em termos de musicalidade e performance? Vimos algumas pessoas afirmando que você está mais rock 'n' roll do que nunca e a gente concorda. 


Então, eu acho que tem uma comparação com o álbum anterior e no álbum anterior eu de fato utilizei muitos recursos da musicalidade hip-hop, do rap em tudo. No [disco] Jesus Ñ Voltará várias das faixas são muito na base do rap ali, né? 


E esse álbum eu optei por gravar com a banda, mais orgânico uma boa parte dele. Tem muito soul music, tem muito rock, principalmente o punk. Porém tem muita referência de outros ritmos também. Passa pelo reggae, uma característica dos meus discos. Passa pelo samba pela primeira vez. Dá uma “paquerada” ali com o samba, mas de um jeito bem estranho, do jeito dele. Mas em em resumo é um álbum de rock, sim.


Um álbum de rock, um álbum de rock de favela, um álbum de rock do Mateus Fazeno Rock, que é todo misturado. Um álbum pulsante, acredito, um álbum solar e um álbum que fala sobre saúde, bem-viver.


Ouça o disco Lá Na Zárea Todos Querem Viver Bem:



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