Os caminhos selvagens e os renascimentos de uma rockstar: CATTO em sua versão mais visceral
- Revista Curió
- 18 de jun.
- 4 min de leitura
Oito anos após seu último álbum de inéditas, a artista gaúcha ressurge com "CAMINHOS SELVAGENS"
Por: Wagner Rodolfo
Última Atualização: 18/06/2025

Acompanhar a nova música brasileira ao longo dos anos permite observar a transformação de personagens, performances e estilos. É o caso de CATTO, cantora, compositora e produtora musical, nascida em Lajeado (Rio Grande do Sul), que, se antes em “Saga” (2009), seu primeiro disco, se apresentava como um pequeno príncipe e conquistava o Brasil com a música na novela “Cordel Encantado” (2011), agora ela ressurge como uma anti-diva (ainda muito diva) rockstar. A artista retorna depois de oito anos sem lançar um disco de inéditas com "CAMINHOS SELVAGENS” (2025), um trabalho potente, visceral e marcado por uma poesia crua e realista.
A voz de CATTO tem sido uma luz na música brasileira pós-2010. Seu primeiro EP, “Saga”, foi lançado em 2009, mas foi em “Fôlego” (2011) que a artista teve seu destaque na cena. A aprovação da crítica e do mercado da música destacou essa voz brilhante em diversos espaços, não à toa a artista dividiu palco com outros grandes nomes da música brasileira, como Elza Soares, Maria Bethânia, Ney Matogrosso e entre outros. A discografia da artista se destacam também os discos ao vivo — que evidenciam a maior potência de CATTO: a sua voz — como no caso do disco “Ao Vivo - Entre Cabelos, Olhos e Furacões”. Simbolicamente, é no disco CATTO (2017), que a artista apresenta com mais coesão e solidez sua essência dramática e artística — e simbólica antes de sua transição de gênero, quando ainda assinava com outro nome, CATTO utilizou o nome que usa hoje para nomear este disco, talvez ali contenha uma primeira etapa de seus renascimentos.
Se CATTO já cantava “o nascimento de Vênus” em “Lua Deserta” (2017), faixa que também dá o nome ao disco ao vivo “O Nascimento de Vênus Tour” (2021), era sem saber de todas as transformações que aconteceriam em níveis pessoais e globais. Uma pandemia, um governo genocida, isolamento social, lives e uma separação. CATTO se torna a própria Vênus que passa por inúmeros renascimentos.
Mesmo trabalhando desde 2018 nas canções de “CAMINHOS SELVAGENS” (2025), a artista fez uma escolha certeira: apresentar ao novo mundo (pós-retrocesso no governo do Brasil e pós-pandemia) a bruxa-diva-vampiresca-gótica-e-rockeira, primeiro como intérprete. Em “Belezas São Coisas Acesas Por Dentro” (2023), CATTO interpreta Gal Costa como ninguém havia ainda interpretado: com muita potência, roupagem rock e atitude transgressora — talvez a homenagem à Gal Costa mais fiel àquela Gal política da Tropicália. Lançar um disco de reinterpretação apresentando uma nova estética, depois de um grande período de isolamento social, foi um movimento estratégico para reaquecer as plataformas, estreitar ainda mais os laços com os fãs, ganhar novos ouvintes fãs de Gal e ainda imprimir sua identidade artística em um projeto. Abraçada pela crítica, a artista rodou o Brasil em shows lotados, como foi o caso do show aqui em Belo Horizonte, com a casa de show Autêntica lotada e vibrando com todas as canções.
Se em “Belezas São Coisas Acesas Por Dentro” (2023) há uma aura potente de indie rock, com guitarras sujas e atitude contracultural, remodelando clássicos da MPB com voz firme e expressão rock’n’roll, em “CAMINHOS SELVAGENS” (2025) a artista amplia esse clima com influências do rock dos anos 1990, trazendo pianos fantasmagóricos, guitarras sujas e letras intensas.
O primeiro ato desse novo universo foi o single “EU TE AMO”. A faixa é completamente cinematográfica — assim como o disco inteiro — ao dar play já se visualiza uma diva descalça caminhando na beira da estrada, com seu vestido elegante e cigarro na mão. Há uma aura gótica, uma melodia trevosa e um clima de destruir cartas e fotos do passado. A canção é a perfeita fusão de melancolia e visceralidade. Curioso que essas imagens podem vir na mente mesmo antes de ver as fotos de divulgação que constroem exatamente este universo.

Outro ponto alto do projeto “CAMINHOS SELVAGENS” é a construção imagética dessa diva/anti-diva alternativa e rockeira, que pode muito conquistar os fãs de artistas que performam nos lineups de festivais como Primavera Sound e C6 Fest. É impressionante observar a evolução imagética de CATTO e a construção de uma imagem que dialoga diretamente com o som do disco. Talvez o grande segredo seja que CATTO, para além de estar em seu melhor momento de autoconhecimento, tenha conseguido, com sua equipe, trazer verdade para seu som, sua imagem e sua performance.
Em 8 faixas que se desdobram em 33 minutos, o trabalho de CATTO é pesado e não alivia em momento algum. Momentos épicos, superações de amores, a descoberta do real valor, o esclarecimento de não ser mais submissa, o paradoxo de ser amada e ser amante, festas, ex-amores, homenagens à grandes amores, para Yuri todos os seus beijos… “CAMINHOS SELVAGENS” é quase uma ópera-rock, com letras muito confessionais, íntimas, guiadas por narrativas de cura, identidade e resistência.
CATTO pode mirar o rock noventista, mas ela não abandona nunca sua identidade brasileira: a potência lírica dialoga muito com a sofrência de Marília Mendonça, a intensidade de Maysa, o romantismo de Roberto Carlos, a potência de Angela Rô Rô, mas a artista traz para esse diálogo também referências internacionais como PJ Harvey, Fiona Apple, Tori Amos — que inclusive, inspirou o arranjo da faixa CAMINHOS SELVAGENS — quase invocando uma mesma sensação de estar assistindo clipes na MTV da década de 90.
“CAMINHOS SELVAGENS” posiciona CATTO como uma das maiores artistas do Brasil, e, mesmo ela se definindo como uma “anti-diva”, é inegável essa construção de imagem de uma nova diva-rockstar para estampar camisetas e pôsteres na parede dos fãs. O Brasil vai ter que engolir que uma das maiores rockeiras hoje é gaúcha e travesti.

Comments