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Raul Seixas: coragem diante do mundo

  • Foto do escritor: Revista Curió
    Revista Curió
  • 16 de jul.
  • 7 min de leitura

A Curió conversou com a filha caçula e com o fundador do fã-clube do artista, que completaria 80 anos no fim de junho

Por: Ana Clara Moreira

Última atualização: 10/07/2025

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

Um dos mais importantes nomes da música brasileira, Raul Seixas teria completado, no último dia 28 de junho, 80 anos. Nascido em Salvador, na Bahia, o artista era fã do rock’n’roll clássico, mas isso nunca impediu que elementos da cultura tupiniquim fossem agregados de forma muito marcante às composições dele, desde a inclusão de ritmos típicos do candomblé em Mosca na Sopa, passando pelo baião de Let Me Sing, Let Me Sing, até versões ácidas da MPB, como em Eu Nasci Há 10 Mil Anos Atrás.


“Meu pai era, de fato, uma metamorfose ambulante. Não só nas músicas e no palco, mas também dentro de casa. Ele inventava personagens malucos só pra me divertir, fazia vozes, desenhos, criava um mundo imaginário cheio de figuras que só existiam entre nós dois. Mas também havia o pensador, o rebelde, o cara que gostava de mergulhar em livros de filosofia e questionar tudo. Era o homem que se posicionava com coragem diante do mundo e, ao mesmo tempo, o pai doce, divertido e criativo”, afirma Vivian Seixas – a DJ Vivi Seixas –, filha de Raul, em entrevista à Revista Curió.


Para marcar a data de aniversário do artista, o Globoplay lançou a série Raul Seixas: Eu Sou, que mostra algumas dessas facetas do cantor e compositor. Uma retrospectiva inédita sobre a vida e carreira dele também está disponível na exposição Baú do Raul, aberta para visitação até 28 de setembro no Museu da Imagem e do Som de São Paulo (MIS-SP). Independentemente da forma que se apresentam, os feitos de Raul impactam uma legião de fãs de diversas gerações, por meio de reflexões atemporais, como afirma o fundador do Raul Rock Club, Sylvio Passos, que também conversou com a Curió.


“O maior legado deixado por Raul? O questionamento. O não saber de nada. Tudo que sei é que nada sei. Esse questionamento, essa coisa de conhecer a ti mesmo e ficar mais confuso, se olhar no espelho e ver que você é um sujeito ridículo, limitado e que, naquela época se dizia, só usa 10% da sua cabeça animal. Você percebe que os questionamentos continuam. Não existem respostas, só existem perguntas, e mais perguntas em cima das próprias perguntas. Não há verdade absoluta”, afirma o músico.



O início, o fim e o meio


Como produtor musical na gravadora CBS, função que assumiu em 1967, Raul era responsável por nomes da Jovem Guarda, entre eles Jerry Adriani e Renato e Seus Bluecaps. Já os primeiros passos da carreira de cantor foram dados no ano seguinte, com o disco de estreia Raulzito e os Panteras e, algum tempo depois, em 1971, com o álbum experimental Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10 – ambos com repercussão bem abaixo da esperada.


O ponto de virada começou em 1972, quando Let Me Sing, Let Me Sing foi apresentada ao público no VII Festival Internacional da Canção (FIC). Mistura de baião e rock – estilo chamado pelo próprio artista de “baioque” –, o sucesso já tinha elementos que caracterizariam toda a obra dele: uma combinação nada tradicional de ritmos, além de letras repletas de mensagens subliminares e contestadoras, inclusive contra o regime político vigente à época. Um exemplo nesta mesma composição é o verso “dois e dois são cinco, não é mais quatro não”, que faz referência ao livro 1984, romance de George Orwell em que um governo autoritário alterava regras universais básicas, como os resultados das operações matemáticas.


“Meu pai nunca se prendeu a rótulos. Ele transitava do rock ao baião, do samba ao reggae, sem pedir licença. E fazia isso com uma linguagem muito própria, crítica, poética, debochada. Na época isso foi revolucionário, porque ele não só misturava estilos, como também escancarava verdades que muita gente preferia não ouvir. Hoje as letras dele continuam relevantes porque tocam em questões humanas e sociais que seguem atuais: ego, espiritualidade, liberdade, alienação, coragem”, afirma Vivi Seixas.


Raul no Festival Internacional da Canção de 1972 | Foto: Alcyr Cavalcanti
Raul no Festival Internacional da Canção de 1972 | Foto: Alcyr Cavalcanti

Na esteira da projeção alcançada por meio FIC, associada à parceria iniciada com o escritor Paulo Coelho, Krig, ha, Bandolo! foi lançado pela Universal em 1973, com algumas faixas icônicas. Entre elas, Mosca Na Sopa, que não poderia ser mais literal em relação à ditadura militar, e Al Capone, que, usando o gângster estadunidense como metáfora, fazia justa crítica à corrupção enraizada entre os que governavam o Brasil.


“Raul sempre se posicionou como anarquista, não defendia nem A nem B. Mas ele tinha um posicionamento como cidadão brasileiro… Com um olhar filosófico e crítico, ele sabia se manifestar muito bem. Sabia utilizar as palavras de maneira que elas chegassem até as massas, e cada um traduzia de uma maneira; mas sabiam que ele estava sendo crítico”, afirma Sylvio Passos.


Depois de Krig, ha, Bandolo! foram inúmeros outros sucessos, como Medo da Chuva, Sociedade Alternativa e Gita (1974); Tente Outra Vez (1975); Meu Amigo Pedro, As Minas do Rei Salomão e Eu Nasci Há 10 Mil Anos Atrás (1976); Maluco Beleza, O Dia Em Que a Terra Parou e Sapato 36 (1977). Trabalhos que, por si só, se reinventam através do tempo, se mantendo sempre atuais.


“Algo que mantém o Raul vivo até hoje, até mais vivo do que muitos artistas ainda vivos, inclusive contemporâneos dele, é que ele direcionava a obra para a juventude. Os jovens mudam de geração para geração, a juventude se transforma, se reinventa. Como é uma música direcionada aos jovens, o volume de fãs que nasceram até mesmo depois que ele morreu é muito grande, muito grande mesmo”, comenta o fundador do Raul Rock Club.



Metamorfose Ambulante


Canções como Metamorfose Ambulante e Ouro de Tolo – ambas do álbum de 1973 – falam de angústias coletivas sob uma perspectiva bastante individual para Raul. Na primeira composição, por exemplo, o verso “sobre o que eu nem sei quem sou” destaca a melancolia de compreender que mudar é a única constante da vida. De forma paradoxal, na mesma música, essa premissa é acolhida como recurso para preservar a autenticidade tanto nos palcos quanto fora deles.


“Eu convivi com meu pai no dia a dia até os quatro anos, e quando ele faleceu eu tinha oito, mas minha mãe sempre me contou que, em casa, ele era outra pessoa. Era um homem de fala baixa, tímido, muito diferente do que o público conhecia, aquele artista extrovertido, provocador, sem vergonha nenhuma. Então acho que existia uma separação entre o pai, o artista e o marido. Em casa, ele gostava de ficar no estúdio ouvindo os discos de blues, mergulhado na música de uma forma muito íntima. Então, por mais que fosse uma figura intensa, havia também esse lado reservado e afetuoso, especialmente com a gente”, recorda Vivian.

Fonte: Videoclipe "Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás"
Fonte: Videoclipe "Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás"

Já em Ouro de Tolo, escolhida pela revista Rolling Stone como uma das 100 maiores músicas brasileiras (em 16º lugar), as inúmeras críticas ao sistema de exploração capitalista são contrapostas e, ao mesmo tempo, costuradas à inquietação individual do artista que tinha “uma porção de coisas grandes pra conquistar” e não podia ficar ali parado. A faixa também traz passagens da vida dele, que enfrentou momentos de vulnerabilidade quando se mudou da Bahia para o Rio de Janeiro, assim como o fato de se sentir incompleto mesmo depois de superar aquela fase e se tornar “um cidadão respeitável que ganha 4 mil cruzeiros por mês”.


As várias camadas interpretativas destas e de tantas outras faixas certamente foram influenciadas pela atitude contestadora de Elvis Presley e outros personagens admirados por Raul, como Dom Quixote, “o cavaleiro errante” (especialmente no campo da imaginação); Jesus Cristo e Aleister Crowley (relacionados a assuntos espirituais e metafísicos); e Luiz Gonzaga, o rei do baião (que remetia às raízes e à brasilidade do artista).



Homenagens


Completando 22 anos de trajetória, a DJ Vivi Seixas é uma das figuras mais consistentes da música eletrônica brasileira. Inspirada na autenticidade do pai, ela traçou o próprio caminho e se encontrou na house music, com uma linguagem marcada pelo groove, pela liberdade criativa e pelo compromisso com a pista como espaço de expressão artística.


Neste ano, ela estreia dois projetos que refletem sua maturidade musical e ampliam seu universo criativo. O primeiro é Tulipa, sua nova label party, uma plataforma para celebrar as várias nuances da house music, valorizando o vinil, o protagonismo feminino e a diversidade sonora como pilares da experiência.

DJ Vivi Seixas/Divulgação
DJ Vivi Seixas/Divulgação

O segundo projeto é o Rock das Aranhas Live, um dos diversos tributos aos 80 anos de Raul Seixas. Ao lado da DJ e produtora Paula Chalup, Vivi revisita clássicos do “maluco beleza” com novos arranjos e visual imersivo. O resultado é um live act que conecta gerações, modernizando a obra de Raul sem perder sua essência provocadora e filosófica.


“Estamos vivendo um ano muito especial, com várias homenagens ao meu pai por todo o Brasil. Além da série e da exposição, tivemos agora em junho o Baú do Raul, que lotou o Circo Voador e emocionou o público do início ao fim, com ingressos esgotados e todo mundo cantando junto. Esse show está disponível para circular e seria lindo levá-lo para outras capitais. Também estou preparando, ao lado da DJ Paula Chalup, o Rock das Aranhas Live, um espetáculo audiovisual que revisita o repertório do meu pai com novos arranjos e projeções visuais impactantes. A ideia é manter vivo o legado dele de forma potente, criativa e atual, como ele gostaria”.


Seja por meio do trabalho artístico da filha, da exposição no MIS-SP ou dos inúmeros livros e documentários sobre vida e obra dele, Raul existe e se mantém vivo no imaginário coletivo não só como um artista completo, mas como exemplo que inspira pela ousadia de questionar e subverter convenções.


1 comentário


João Pedro Ribeiro
João Pedro Ribeiro
17 de jul.

Textasso!!

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