Um caminho até chegar no big buraco: uma reflexão sobre a trajetória da artista Jadsa e os caminhos de seus conceitos
- Revista Curió
- 24 de set.
- 9 min de leitura
Depois de quatro anos do seu álbum de estreia, Jadsa chega com o ‘big buraco’, um abismo de sentimentos e sensações em uma visão para dentro de si
Por: Wagner Rodolfo
Última Atualização: 24/09/2025

Pensar a música como uma manifestação viva, mutável e maleável, que se desdobra em formas e se transforma em determinadas situações e territórios: um compositor pode revisitar suas canções de diferentes formas. Muito se faz pensar ao acompanhar os caminhos sonoros e de trajetórias de Jadsa: você pode ter um objetivo inicial, mas o percurso pode mudar quando se depara com um grande buraco em seu caminho… Um big buraco.
Depois de quatro anos do lançamento do seu primeiro disco, Olho de Vidro, a baiana de 30 anos, Jadsa, lançou em 2025 o já aclamado big buraco. O disco foi reconhecido pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) como um dos 50 melhores álbuns lançados no primeiro semestre, além de ter sido indicado ao Grammy Latino na categoria Melhor Álbum de Rock ou de Música Alternativa em Língua Portuguesa. A artista já performa com seu nome nos principais lineups de festivais espalhados pelo Brasil como o Saravá (em Santa Catarina), CoMA (em Brasília), MADA (Rio Grande do Norte) e inclusive em um dos mais desejados hoje em uma carreira artística: no Lollapalooza Brasil (São Paulo).
Esse é o caminho de uma trajetória muito bem construída, resultado do trabalho de Jadsa ao lado de sua empresária, Maira Moreno. Pode-se perceber um percurso que se baseou primeiro na experimentação e na música alternativa (Olho de Vidro), mas que agora chega com muito mais força pautando a canção popular brasileira, com um verniz mais pop e com possibilidade de alcançar públicos diferentes (big buraco). Para entender toda essa brincadeira da cosmologia Jadsiana, é interessante ver os desdobramentos de sua carreira.
ENTRE O TEATRO E O ROCK EM SALVADOR
Jadsa é uma multi instrumentista e seu início nas artes se deu principalmente pela intersecção entre a música e o teatro. Desde muito jovem, integrou bandas de rock em Salvador, seu primeiro instrumento foi a bateria, mas sempre foi uma pessoa curiosa, passando por cavaquinho, guitarra, baixo e instrumentos de percussão. Sua relação com o palco, que inicialmente causava ansiedade, foi moldada pelas experiências teatrais, como no Teatro Vila Velha, onde participou de trilhas sonoras ao vivo, estabelecendo uma parceria criativa com João Meirelles (integrante do BaianaSystem).
João Meirelles também integrava o Teatro Vila Velha e virou parte de uma dupla dinâmica fundamental para entender os trabalhos de Jadsa. O primeiro trabalho da artista, Godê, um EP de três faixas lançado em 2015, foi uma coprodução de João Meirelles com Ronei Jorge e é a primeira pista da musicalidade visceral de Jadsa, passeando por estilos como rock, samba e experimentações eletrônicas.
O duo se consolidou enquanto projeto sonoro com o lançamento do TAXIDERMIA, um projeto eletrônico e experimental de Jadsa e João Meirelles, que lançou seu primeiro EP, VOL. 1 em 2020. É importante contextualizar estes caminhos e encontros de Jadsa pois eles ajudam a perceber a vivacidade da música e como ela pode se transformar. É curioso se atentar que no segundo EP do projeto, OUTRO VOLUME (2021), aparece uma canção chamada BIGBIG (talvez a primeira do universo BIG de Jadsa).
O Olho de Vidro foi um álbum de estreia já aguardado pela crítica musical. O disco, que também conta com a produção de João Meirelles ao lado de Jadsa, chegou com grande lastro, com colaborações e participações de peso como Kiko Dinucci, Ana Frango Elétrico e Luiza Lian. Entre experimentações, influências jazzísticas, em uma onda Itamar Assumpção passeia por Salvador, o Olho de Vidro é um trabalho que pode provocar algum estranhamento logo de cara e requer uma audição mais atenta, mas que galgou um espaço muito importante na música independente: essa estréia lhe rendeu indicações como de Revelação e Álbum do Ano em premiações como APCA e o Prêmio Multishow.
Entre o lançamento do primeiro álbum em 2021 e o BIG BURACO (2025), aconteceu o lançamento do primeiro disco do TAXIDERMIA: Vera Cruz Island (2024). Com linguagem única, experimental e eletrônica, o duo trouxe um trabalho que amadurece as experimentações já realizadas, ao mesmo tempo que traça novas rotas na sonoridade marcada pelo eletrônico, mas agora encorpada por sons orgânicos.
O álbum agrega toda a experiência que vivemos para fazer os EPs, mas vem com um frescor de novos desejos criativos, sem abandonar a nossa trajetória. Esse espaço de tempo nos ajudou na escolha do tema do disco e da estética sonora. (TAXIDERMIA).
No disco Vera Cruz Island, encontram-se três canções que também estão presentes em big buraco: NO PAIN, TREMEDÊRA e MIL SENSATIONS. É bonito observar como as canções são infinitas e podem se metamorfosear em diferentes versões. Se em Vera Cruz Island pode-se encontrar versões pesadas, experimentais e com grande presença eletrônica, em big buraco são apresentadas versões mais pop, pautadas em um acabamento mais orgânico e com grande destaque para as letras. São canções com menos fronteiras, capazes de conquistar mais pessoas.

A VIRADA POP DE JADSA
big buraco é de certa forma uma mudança de abordagem da artista. Parece que o Olho de Vidro tinha um tom mais “maldito”, de que alguma forma necessitava uma maior atenção para degustar; em contrapartida, big buraco desce rápido e logo de cara, como canções que você poderia ouvir na rádio Nova Brasil FM. Se no primeiro Jadsa está referenciando outras pessoas, como Itamar Assumpção, Arrigo Barnabé, Tulipa Ruiz, Luiza Lian e Ava Rocha, neste último a artista está o tempo todo se autorrerenciando, refazendo canções de outros projetos e territorializando todo o seu dialeto, deixando mais forte a base semântica de sua obra e consolidando toda a cosmovisão do seu universo artístico.
Em seu novo disco, podemos encontrar canções que refletem sobre o amor como em big luv (escrita com sua namorada e empresária, Maira Moreno), tem canções para sua mãe como samba para Juçara (que escreveu ao lado de sua mãe) e big mama, e também outras canções que mergulham em sensações que brotam do peito, apresentando “um universo que é glorioso e fantasioso, o mar, as frutas todas e o amor de mãe” (trecho retirado do seu próprio release).
Primeiro, aquele lance que você falou, do Olho de Vidro. A diferença do Olho de Vidro com o big buraco, de me reverenciar Sim, eu queria fazer um disco onde eu falasse tudo o que estou sentindo mesmo, mas não só homenagear as pessoas e coisas e outras coisas. Eu queria me reverenciar mesmo, queria olhar para mim e me enxergar, escutar aquele disco e entender o porquê realmente que eu fiz aquilo, o meu sentimento naquilo. Eu acho que o Olho de Vidro é muito de observação, é muito pelo olho, né, e o big buraco é muito pelo coração, nessa parte sentimental. Então tem muito disso, tem essa big diferença. Com relação a mim e às minhas obras, eu posso fazer uma versão só, assim como eu posso fazer dezenas, sabe? Então, acredito muito nessa reinvenção da canção, nesse novo olhar sobre a canção, nesse novo momento sobre as canções. E eu, enquanto compositora dessas músicas, quero ser intérprete da minha própria música. Quero poder estar numa camada e poder situar essa canção dentro daquela camada. (Jadsa)
A ideia de Jadsa antes era na verdade revisitar e reinventar seu primeiro EP, o Godê, mas seu encontro com o Antônio Neves e as provocações de Alexandre Matias fizeram a artista se deparar com um big buraco no caminho. É curioso notar a relação dos projetos de Jadsa, como uma cosmologia do seu universo artístico. Primeiro tem um Olho de Vidro, que é a última peça a ser colocada em um animal taxidermizado (técnica de empalhar animais) e se você tira o olho de vidro do animal de palha… O que sobra… É um big buraco:
Eu fico sempre pensando em relacionar. As coisas que eu faço não são qualquer coisa, é sempre um novo projeto. Tento sempre pegar um pouco do que vinha e trazer também algo do que vem, ou de uma possibilidade ali. Comecei com um Olho de Vidro, corri atrás desse olho de vidro, desse último detalhe de uma taxidermia. Aí chega a pandemia e dou um tempo no Olho de Vidro, e então vem o Taxidermia: esse animal taxidermizado, essa peça que está conservada, mas sem o último detalhe. Depois, vem o último detalhe, que é o olho de vidro. Quando terminei o Olho de Vidro, pensei: “agora estou no ponto de começar uma nova coisa, uma nova base nesse mapa aqui. Vamos levantar acampamento nesse lugar. É um novo lugar, tem cachoeira, é outra coisa, não é praia, é outra onda”. Com o tempo, pensando no big buraco, recebi o convite do Alexandre Matias. Ele disse que seria massa eu ter outro disco para fazer shows e perguntou se eu já tinha algo em mente. Respondi que sim. No momento em que falei que tinha um próximo disco chamado big buraco, porque queria que fosse esse novo momento, de me jogar em outro lugar, ele comentou: “ah, então o Olho de Vidro acabou”. Isso para mim acendeu uma lâmpada. É meio doido, porque realmente, se você tira um olho de vidro, o que sobra é um big buraco. Então, de certa maneira, é um novo momento, mas que traz esse imenso buraco, esse imenso universo. Esse novo lugar, esse novo espaço, esse abismo. Enfim, eu sempre penso nesse mapa, eu sempre penso nessa continuidade. (Jadsa)
big buraco, segundo Jadsa, é um disco mais da ordem do sentir, um disco da ordem prática, enquanto o Olho de Vidro era muito mais sobre observar, perceber para fora, enquanto o novo disco é mais o perceber por dentro. Quando perguntada sobre os “bigs” (são quatro faixas: big bang, big luv, big mama e big buraco) que aparecem pelo disco, a artista divide:
‘Big’, lá em Salvador, e em grande parte da Bahia, já é entendido como um dialeto, faz parte da nossa fala, da nossa conversa. Para mim, quando escuto ‘big’, não ouço o inglês, eu ouço o que ele é: brasileiro. Esse lance do inglês, no big buraco, era necessário porque eu queria que fosse um lugar curioso, com segundas intenções nas letras. Às vezes você escuta big bang como esse estouro, mas também pode entender como “big bang” de estar muito bem, estar ótimo. Acho que tem muitas referências. Por exemplo, tem um disco do Jorge Ben chamado Big Ben (1965). No começo das guias das músicas, eu até citava ele: “Jorge Ben, tudo bem, tudo bem”. Assim como em big buraco, eu citava Léo, dizendo no final: ‘Big, um beijo Léo’. Mas acabei vetando algumas coisas, porque seria como dar toda a informação de uma vez. Eu queria que ficasse em aberto, tanto para mim quanto para quem ouve, sem uma referência fechada que fosse só aquilo. A questão dos ‘bigs’, desses atos dentro do disco, vem desse desejo de que fosse um álbum bem alto e explicativo, quase como uma redação. Quando você olha para as músicas, percebe: aqui é a apresentação, aqui o contexto, depois um parágrafo a mais para desenvolver, e no fim, a conclusão. big buraco é isso: você explica o título. Esses atos também vêm muito do teatro. Normalmente se pensa em três atos, mas nesse caso cabiam quatro, então eu disse: vamos nessa. Acho que era necessário. Os ‘bigs’ estão aí para marcar território, para marcar momentos e períodos. (Jadsa)
Quando perguntada sobre o que é o big buraco, Jadsa comenta:
big buraco é esse espaço gigantesco que carrega várias referências. E esse é o meu big buraco: é o meu mundo, e todo mundo tá dentro dele. Acho que cada um tem o seu mundo, o seu buraco — esse lugar profundo cheio de coisas que, às vezes, não dá pra explicar, só sentir. Por exemplo, em big bang, pelo caminhar, pelo BPM da canção, pelos elementos (um baixo marcante, os backing vocals) eu sinto que a música te faz querer andar na rua, se sentir bem. Aí vem tremedêra, que também é muito sensorial. Eu cito várias frutas, e quem conhece sente automaticamente o cheiro e o gosto. É algo que desperta sentidos. Depois vem ol na pele, na mesma linha, mas de forma mais concreta. sol na pele é bom, é direto. Acho que é a segunda vez no disco em que sou bem óbvia. Em big bang também sou clara: falo sobre o mercado, sobre fama ou não, sobre como o tamanho de um artista só é percebido quando ele já está grande — o caminho até ali ninguém vê. Na sequência, quebra de mel na boca marca o segundo ato. É outra degustação, semelhante a Tremedeira, também muito sensitiva. Depois vem big luv, novamente uma experiência de sentir, com aquele sintetizador gostoso. As músicas, no fim, são para sentir, não necessariamente para explicar. E cada pessoa vai sentir de um jeito, porque cada um tem o seu buraco, sua profundidade, seu lugar remoto cheio de coisas dentro. (Jadsa)



Comentários