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A bienal mineira do livro: uma gramática antirracista

  • Foto do escritor: Revista Curió
    Revista Curió
  • 6 de mai.
  • 5 min de leitura

O que é possível ver de diferente na produção literária mineira quando o assunto é racialidade?


Por: Izadora Braga, Lara Gomes e Thiago Daniel

Última atualização: 06/05/2025


Guimarães Rosa - Via Bonifácio
Guimarães Rosa - Via Bonifácio

A edição de 2025 da Bienal Mineira do Livro, que acontece do dia 3 ao dia 10 de maio no Centerminas Expo, tem como tema principal “Viver é Plural. Ler é Plural”, frase inspirada em João Guimarães Rosa, autor mineiro homenageado deste ano. O tema destaca a pluralidade da experiência humana e o poder da leitura em diferentes mundos, convidando o público a “celebrar Minas e a mineiridade”, reforçando a identidade cultural do estado e a diversidade literária.  Neste ano, a Bienal oferecerá mais de 100 horas de programação, incluindo palestras, debates temáticos, oficinas, contação de histórias e saraus. Apresentações teatrais e musicais, exposições de arte e atividades escolares, atendendo crianças, jovens e adultos acontecerão durante todos os dias. Entre as novidades estão um espaço geek dedicado à literatura fantástica, quadrinhos e cultura pop, além do “Beco dos Artistas”, que já era voltado para quadrinistas e ilustradores. O evento contará também com a Estante Mineira, área exclusiva para editoras de Minas Gerais (30 editoras em 18 estandes). O caro aqui se debruça sobre os Debates e mesas-redondas abordarão assuntos como o combate ao racismo, políticas públicas de incentivo à leitura, inteligência artificial na literatura, bibliodiversidade, literatura afro-infantil, narrativas indígenas, e mais.

A equipe Curió teve a honra de conversar com  Lavínia Rocha, que é escritora, palestrante, professora, influenciadora e criadora da Pedagogia do Entusiasmo. Ela é mineira, de Belo Horizonte e pós-graduada em Ensino de História. Começou a escrever aos 11 anos e é autora de 17 livros infanto-juvenis e adultos. Em conversa com a equipe, Lavínia fala sobre como conseguiu conciliar em sua vida a profissão de professora e seu amor pelos livros:

“E principalmente a literatura, porque eu acredito muito no poder transformador dela, porque ela gera uma empatia com o protagonista que você tá lendo. No livro, a gente se coloca no lugar do personagem, você chora, você começa a rir, a se imaginar, a sonhar com aquilo que o personagem está vivendo, e isso tudo vai gerando empatia, que é você se colocar no lugar daquele personagem. […] E eu fui misturando: dentro da sala de aula, eu levava muito sobre storytelling e, dentro da minha literatura, eu começava a levar muito de história.”

Desde muito nova, Lavínia encontrou na escrita uma forma de brincar, se expressar e construir mundos, vinda de uma família de educadores e marcada por um ambiente doméstico onde os livros eram tão presentes quanto os brinquedos, ela teve desde cedo o incentivo necessário para desenvolver seu gosto pela literatura. Hoje, como professora de História e autora de obras infanto-juvenis com forte compromisso antirracista, ela encara a literatura não apenas como paixão, mas como ferramenta de transformação e representatividade:

“A gente é uma sociedade racista por vários motivos, um deles é falta de informação, falta de tempo para se reencontrar com o passado e entendê-lo. Isso é muito complexo. Temos a lei que obriga a trabalhar essas questões, mas a formação desses professores não pensa nesses cursos, nessas capacitações. Então o professor tinha que ser retirado da sala de aula, recebendo obviamente, para fazer esses cursos, um tipo de licença para que ele possa se atualizar. A gente não vê isso, então essa é uma questão muito difícil. Alguns professores que pensam na educação anti racista se sentem muito sozinhos, eu vejo muito esse retorno de professores, faço curso com eles, e eu vejo isso, é um gargalo forte que a gente tem, e é um em vários que vão impedindo que a gente alcance, mas é um tema que vem se falando nos últimos anos, então eu sempre penso que a gente tá melhorando.”

É importante ver a aproximação dos jovens com a cultura brasileira, e, em especial, da mineira. Como ressaltado pela escritora entrevistada, Lavínia Rocha, a educação antirracista precisa de um ponto de partida. Eventos como a Bienal do Livro, aliados a iniciativas educacionais como a do vale-livro, fomentam o interesse de jovens leitores, quebrando a primeira barreira para reestruturação de um ensino que permanece estruturalmente racista, possibilitando a busca por informação.


Obras com propostas semelhantes às de Lavínia, ao lado de encontros com grandes referências da literatura negra, como Conceição Evaristo e Djamila Ribeiro, aproximam profissionais da educação e estudantes, principalmente crianças e adolescentes, de assuntos que fazem parte não só de sua história, mas de seu cotidiano. 


A literatura afro infantil, num cenário de escassez sobre discussões que abordam questões raciais, se mostra essencial não apenas como forma de representatividade, mas como ferramenta pedagógica que contribui diretamente para a formação da identidade e autoestima de crianças negras. Quando meninas e meninos se vêem retratados nas histórias, com protagonistas que compartilham de suas vivências, traços e heranças culturais, há um fortalecimento do pertencimento e da valorização de suas raízes. Além disso, essas obras promovem a empatia e o respeito à diversidade desde a infância, ajudando a combater estereótipos e preconceitos estruturais que ainda persistem na sociedade. Ao ampliar os repertórios culturais disponíveis nas escolas e nos lares, a literatura afro infantil abre caminho para uma educação verdadeiramente inclusiva e plural, como propõe o próprio tema da Bienal: viver e ler de forma plural.


O evento reforça Belo Horizonte como uma das importantes capitais literárias do Brasil e berço de muitos autores consagrados, além de ser espaço de visibilidade para o trabalho de novos autores locais. 


Ao todo, ainda, serão mais de 300 autores convidados, nacionais e internacionais, representando diferentes estilos e gerações e, dentre os nacionais, destacam-se: Conceição Evaristo, Fabrício Carpinejar, Paula Pimenta, Djamila Ribeiro, Leo Cunha, Alê Santos, Daniel Munduruku, Ana Elisa Ribeiro e outros representantes do universo infantojuvenil e de coletivos literários No que se relaciona ao aspecto da acessibilidade e da diversidade, destaca-se a sala multissensorial, voltada a pessoas com Transtorno do Espectro Autista, que oferece ambiente acolhedor com estímulos táteis e sonoros. O vale-livro, para alunos da rede pública (municipal e estadual), também beneficia cerca de 105 mil estudantes e permite que escolham títulos de seu interesse, fomentando, logo na infância, o hábito da leitura. Para a jornalista Madu Costa, uma das curadoras da Bienal, a da valorização da cultura negra na Bienal é de extrema importância. 


A Bienal, então, consolida Belo Horizonte como um polo literário nacional. Logo na abertura, autoridades ressaltaram que o evento “reafirma Belo Horizonte como uma das capitais culturais e literárias mais relevantes do país”. Para o presidente da Câmara Mineira do Livro, Felipe Mayrink, a Bienal é “instrumento de continuidade da tradição literária de Minas e da formação de novos leitores”. Para os que visitaram, ou ainda pretendem visitar a Bienal do Livro em Belo Horizonte, a experiência vai além das estantes: é a oportunidade de ouvir os próprios autores, expandir a conversa e levar para fora da sala de aula discussões que transformam a partir dos livros.


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