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A história se repete

  • Foto do escritor: Revista Curió
    Revista Curió
  • 7 de out.
  • 5 min de leitura

Quando os representantes falham e o brasileiro vai às ruas


Por: Anna Millard

Última Atualização: 07/10/2025


Gladyston Rodrigues pae Estado de Minas
Gladyston Rodrigues pae Estado de Minas

21 de setembro de 2025: uma data que marca um dos maiores atos políticos recentes no Brasil. Reunindo milhares de pessoas nas ruas das capitais brasileiras, as manifestações ocorridas representam a insatisfação popular em relação à “PEC da Blindagem”, uma Proposta de Emenda à Constituição que traz medidas que visam ampliar a proteção de parlamentares contra investigações e ações judiciais.


Aprovada pela Câmara dos Deputados no último dia 16 com 353 votos no primeiro turno e 344 no segundo, a PEC da Blindagem ou “PEC da Impunidade” tem como objetivo principal limitar o poder do Supremo Tribunal Federal (STF) de investigar e condenar parlamentares. Em outras palavras, deputados e senadores só poderão responder por crimes que forem acusados, se os mesmos decidirem que sim, inclusive de forma sigilosa. Isso significa que a população não saberá quais representantes votaram pela impunidade de crimes (seja lá qual for) cometidos contra a população. 


A indignação dos brasileiros em relação à proposta, ironicamente, tão inconstitucional, despertou algo que há tempos era desejado mas não se concretizava: a organização da esquerda para ocupar as ruas e exercer pressão popular contra a ascensão da extrema direita e o neofascismo em nosso país. Como se não bastasse o crescimento de ideias extremas de ódio contra minorias e atentados à democracia, a PEC da Blindagem representa impunidade para qualquer parlamentar que perpetue tais ideias, e outras ações que não só ameaçam a liberdade crítica da população, mas também põe em risco suas vidas. É como entregar nas mãos de uma organização criminosa a possibilidade ou não de um de seus membros responder pelos seus atos criminosos. Aliás, é exatamente isso o que a PEC da Blindagem propõe.


A última vez que a esquerda se uniu para manifestar suas insatisfações foi entre 2020 e 2022, na pandemia, contra a irresponsabilidade política do governo Bolsonaro em relação às atitudes (ou ausência delas) para controle da crise sanitária causada pela COVID-19. Com ações limitadas devido à crescente de contaminações pelo vírus, poucas pessoas foram de fato às ruas protestar. Na mesma época a direita também se organizava em defesa dos atos do até então presidente Jair Bolsonaro. O 7 de setembro de 2021, em particular, foi marcado por grandes atos pró-governo que testaram a estabilidade institucional do país e mostraram a resistência à gravidade do vírus por parte da direita negacionista.


Quando comparamos as manifestações contra a PEC da Blindagem, nota-se que a última vez que houve uma organização da esquerda de forma tão significativa, foi em 2018 com o movimento “Ele Não” e as tentativas de diálogo com o intuito de virar votos ao candidato de oposição à Bolsonaro, Fernando Haddad. Muitos acreditam ter sido o último respiro do “Temercore” e destaque da esquerda liberal com a estética “ninguém solta a mão de ninguém”. Foi um momento que causou muita revolta aos progressistas e medo às minorias, afinal, um presidente abertamente homofóbico, racista e misógino acabava de ser eleito. Além de todas as problemáticas em seu discurso, a irresponsabilidade da principal figura política de nosso país também ocasionou nas manifestações durante a pandemia, citadas anteriormente. Obviamente, apoiadores do ex-presidente também atuavam com a intenção de afirmar o discurso da direita e firmar raízes do neofascimo em nosso território.  A polarização se tornou a principal característica desses protestos, marcando um novo capítulo na política brasileira, muito bem retratado no documentário de Petra Costa “Democracia em Vertigem”, inclusive indicado ao Oscar de “Melhor Documentário de Longa-Metragem” em 2020.


Apesar de a polarização ter se tornado uma característica marcante desse momento, em 2015 e 2016 já haviam grandes discussões entre esquerda e direita em relação ao processo de Impeachment da até então Presidenta Dilma Rousseff. Impulsionadas pela Operação Lava Jato e por uma crise econômica, milhões de pessoas foram às ruas em atos pró e contra o governo Dilma. As manifestações a favor do impeachment, com a bandeira brasileira e a camiseta da seleção como símbolos, ganharam grande adesão e contribuíram para o processo que culminou na destituição da presidenta, e marcou a atribuição das cores de nossa bandeira aos direitistas. Ironicamente, nos últimos eventos, aqueles que se autointitulam “patriotas” ergueram a bandeira dos Estados Unidos no dia 07 de setembro de 2025, pedindo anistia para o ex-presidente Bolsonaro e os envolvidos no atentado de 8 de janeiro de 2023. Já nas manifestações contra a PEC da Blindagem, uma bandeira gigante do Brasil foi estendida na Avenida Paulista.


Em 2013, ocorreram as Jornadas de Junho, decisivas para o desenrolar do que levou às manifestações e ao impeachment de Dilma. Inicialmente motivadas pelo aumento da tarifa do transporte público em São Paulo, as manifestações rapidamente evoluíram para uma ampla gama de pautas, como melhorias na saúde e educação, e críticas aos gastos públicos com a Copa do Mundo. Os protestos de 2013 foram um ponto de virada na política brasileira, demonstrando a força das redes sociais na organização de mobilizações. Muitas das manifestações desse momento se devem ao processo da operação Lava Jato.  Adesivos ofensivos à até então presidenta, placas pedindo o “dólar a um real de volta” e discursos elitistas marcaram os movimentos da época, que prepararam o terreno para uma sequência de ações que ampliaram a ascensão da extrema direita no Brasil, a eleição de Bolsonaro e inclusive à futura tentativa de golpe que condenou o ex-presidente, uma das razões para que a PEC da Blindagem incomodasse ainda mais o povo brasileiro pois se fosse aprovada antes da condenação de Bolsonaro, ele poderia ser privilegiado pela proposta. 


Em todos esse momentos, a constante: Ataques à democracia e desrespeito à população brasileira e sua constituição. Na última quarta-feira (24), a PEC da Blindagem foi rejeitada pelo Senado, e as manifestações no domingo foram extremamente decisivas para que a proposta fosse recusada. É inegável a importância do poder popular para que ações inconstitucionais sejam revistas e negadas, pois atingem diretamente o povo, que é de fato quem controla (ou deveria controlar) a nação. Desde o fim do regime militar ocasionado pelo Golpe de 64, que inclusive teve fim através de muita luta popular, todas as vezes que o nosso país se juntou nas ruas, houveram consequências. Das mais influentes às menos influentes, das mais justas às menos, não se pode deixar de lado o fato de que o poder do povo constrói o mundo. Sempre que a indignação popular dá gás para ocupações das ruas, percebe-se a importância do despertar político para que não haja atentados à democracia, isto é, temos um pequeno gosto do que é a soberania popular e o poder nas mãos de quem deveria estar.


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