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A reabertura da Galeria Claudia Andujar e outras perspectivas sobre a arte indígena

  • Foto do escritor: Revista Curió
    Revista Curió
  • 29 de abr.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 30 de abr.

Com 22 novos artistas compondo a exposição, a reabertura busca honrar as cosmovisões indígenas

Por: Isis F. Zappellini e Luiza Guimarães

Última Atualização: 29/04/2025


Via Isis F Zappellini - Foto de Edgar Kanaykõ Xakriabá
Via Isis F Zappellini - Foto de Edgar Kanaykõ Xakriabá

A Galeria Claudia Andujar foi inaugurada em 2015 no Inhotim, o maior museu a céu aberto do mundo e um dos maiores e mais importantes acervos de arte contemporânea do Brasil. Localizado em Brumadinho, a 60 quilômetros da capital mineira, o espaço da homenageada reúne mais de 400 obras da artista divididas em 3 módulos expositivos: A Terra; O Homem; e O Conflito. A  proposta da nova exposição, inaugurada no último sábado (26 de abril), tem como objetivo receber o trabalho de outros 22 artistas indígenas. Renomeada, passa a se chamar “Galeria Claudia Andujar | Maxita Yano”, termo que  significa “casa de terra” na língua yanomami. O pavilhão passa a exibir 30 imagens inéditas de Andujar e outras 90 obras dos artistas originários, que incluem fotografias, desenhos e trabalhos audiovisuais.


Fotógrafa suíça radicada no Brasil, Claudia Andujar é a artista homenageada pelo museu por, através da sua arte, transmitir as urgências e vivências enfrentadas pelos povos originários. Em 1971, a convite da revista “Realidade”, Andujar conheceu os yanomami e testemunhou as mudanças provocadas no território com a chegada de grileiros e garimpeiros. Seus registros são uma forma potente de denúncia e evidência da dramaticidade da imagem em refletir histórias.


A exposição traz questionamentos à forma de entender a arte e de abordar as violências contra os povos originários – que vão muito além das disputas territoriais e das demarcações geográficas, visto que a terra está profundamente ligada à espiritualidade, à memória e a continuidade dos modos de existência dessas comunidades. A arte indígena pode, assim, se apresentar como o meio de transmissão dessas cosmovisões e de preservação dos saberes ancestrais. 


Entre os 22 novos artistas incorporados à exposição permanente da galeria, estão nomes emblemáticos, como Denilson Baniwa e a Hutukara Associação Yanomami, fundada por Davi Kopenawa, além de outros nomes nacionais e internacionais pela América Latina. A exposição acompanha um movimento crescente de atenção à presença e produção de diversos povos indígenas do Brasil, como Ailton Krenak, que se destacou nos últimos anos e que, recentemente, esteve no CCBB de Belo Horizonte em Novembro de 2024, com a exposição “Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak”, que reúne os registros do fotógrafo japonês em viagem junto à liderança.


Esse gesto de escuta e garantia do protagonismo indígena se revela ainda mais urgente diante do contexto atual. Enfrentamos uma evidente crise climática em todo o mundo: a produção desenfreada de lixo que a terra não é capaz de absorver e a extração  constante de todas as formas de recursos naturais, renováveis ou não, desequilibram os ecossistemas, contaminam as águas e contribuem com o aumento da temperatura do planeta. Frente à isso, em seu livro “Ideias para adiar o fim do mundo”, Krenak reflete sobre o futuro da humanidade:


“[...] me fez refletir sobre o mito da sustentabilidade, inventado pelas corporações para justificar o assalto que fazem à nossa ideia de natureza. Fomos, durante muito tempo, embalados com a história de que somos a humanidade. Enquanto isso - enquanto seu lobo não vem - fomos nos alienando desse organismo de que somos parte, a Terra, e passamos a pensar que ele é uma coisa nós, outra: a Terra e a humanidade. Eu não percebo onde tem alguma coisa que não seja natureza. Tudo é natureza. O cosmos é natureza. Tudo em que eu consigo pensar é natureza.” (Ailton Krenak. 2019) 

Em termos de demarcação territorial, presenciamos desde 2023 o processo de aprovação da PL 490/07 – conhecida como Marco Temporal –  que propõe que as terras indígenas sejam demarcadas apenas se comprovada  a ocupação até 1988, ano da promulgação da Constituição Federal. Essa proposta desconsidera não só as lutas dos últimos 37 anos, mas também a realidade histórica de violências e expulsões forçadas que marcaram a trajetória dos povos indígenas. Na exposição, estão registradas várias das manifestações contra o Marco Temporal através de fotografias tiradas pelo artista Edgar Kanaykõ Xakriabá (MG).


No livro do líder yanomami Davi Kopenawa, “A Queda do céu”, o xamã conta a dolorosa experiência de viver a invasão do garimpo em Watoriki – terra indígena localizada no Amazonas. Com os acampamentos de extração instalados, vários trabalhadores trazem consigo doenças da cidade. As máquinas construídas para retirada do pó de ouro são responsáveis por uma fumaça tóxica (xawara), e assim, aos poucos, membros de Watoriki vão adoecendo: “Nossos antigos jamais tinham respirado esses eflúvios de morte. Seu corpo tinha permanecido frio na floresta das terras altas. Quando essas fumaças surgiram, não tiveram forças para se defender. Todos arderam em febre e logo ficaram como fantasmas. Faleceram rapidamente, em grande número, como peixes na pesca com timbó. Foi assim que os primeiros brancos fizeram desaparecer quase todos os nossos antigos.”, e a história se repete!


Assim como cada povo tem sua história de origem, para os yanomami, Omama é a entidade responsável pela criação da terra-floresta, ou hutukara, o mundo onde todos os seres e espíritos são parte de uma única conexão com a natureza. Quando o garimpo invade o terreno da aldeia, não está apenas tornando essas pessoas vulneráveis, mas interferindo também em um sistema complexo de interdependência da vida com a terra-floresta, os espíritos e os ancestrais. Não é sobre ir morar em outro lugar; não há outro lugar se o indivíduo, a comunidade, a terra e sua história são um só:


"É nossa terra. Vocês com certeza viram as roças antigas perto do seu acampamento. Foram plantadas por nossa gente. A floresta que Omama nos deu vem até aqui. Foi ela que viu nascer nossos antepassados e é sob o seu abrigo que nascem nossos filhos. Vocês não podem vir devastá-la como bem quiserem. Convoque seus homens e voltem todos para suas casas! Omama nunca enviou seus ancestrais para fuçar o solo de nossa floresta como queixadas, para matar os habitantes dela com suas epidemias e suas espingardas! E depois, para que vir trabalhar aqui? Na floresta, vocês passam os dias chafurdando na lama e ficam doentes o tempo todo. Para que sofrer desse jeito? O Brasil é muito grande. Não faltam outras terras para vocês. Parem de cobiçar a da gente da floresta. Vão trabalhar nas suas terras, longe daqui!” (Davi Kopenawa. 2010.) 

Dito isso, é preciso saber ouvir as necessidades e pontos de vista daqueles com quem dividimos a sociedade, não só dos mais próximos, mas também pensando num bem coletivo enquanto cidade, estado e país. Somos uma cultura extremamente rica que insiste em admirar o estrangeiro e fechar os olhos para aqueles com que dividimos nossa terra. Enquanto acordos milionários de mineradoras acontecem, pessoas perdem sua identidade, seu lar. A arte é o caminho para dar voz, não existe futuro sem valorização das tradições indígenas.



1 comentário


João Pedro Ribeiro
João Pedro Ribeiro
30 de abr.

Sempre foi minha exposição favorita, vou ser obrigado a voltar para conhecer esses novos elementos! Trabalho que chega a tocar na alma.

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