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Alguém falou em crise na indústria de animação?

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    Revista Curió
  • há 19 horas
  • 6 min de leitura

Enquanto grandes estúdios apostam nas continuações e derivados de clássicos, produções originais com pequenos orçamentos conquistam público e crítica


Por: Ana Clara Moreira

Última atualização: 06/09/2025


Divertida Mente 2 | Disney-Pixar/Divulgação
Divertida Mente 2 | Disney-Pixar/Divulgação

O ano de 2024 representou um marco importante para consolidar as animações no mercado cinematográfico. Seja nas listas de indicações em premiações reconhecidas internacionalmente ou na expressiva arrecadação com bilheteria, os filmes do gênero aparecem em destaque, muitas vezes combinando nostalgia e apelo familiar como estratégia para atrair diferentes tipos de espectadores.


De acordo com o Deadline, portal de notícias sobre o mercado de entretenimento, cinco entre as dez produções cinematográficas mais lucrativas do ano passado foram animações: Divertida Mente 2 (Disney-Pixar), Moana 2 (Disney), Meu Malvado Favorito 4 (Universal), Kung Fu Panda 4 (DreamWorks) e Mufasa: O Rei Leão (Disney). Juntos, os títulos somaram cerca de US$ 5 bilhões arrecadados em bilheteria e quase US$ 1,8 bilhões em lucro líquido.


Os dados atestam que as principais apostas dos grandes estúdios em continuações ou derivados de sucessos anteriores, o que pode ser visto tanto como um plano de trabalho que assegure algum retorno financeiro quanto como um grave sintoma da dificuldade em criar histórias originais capazes de conquistar público e crítica.


Embora os números obtidos pelas sequências sejam dignos de reconhecimento, a maior conquista entre as animações do ano passado foi de Flow (Dream Well Studio), produção da Letônia que venceu o mais recente Oscar da categoria. A história sem diálogos sobre o gatinho preto que tenta sobreviver em um mundo pós-apocalíptico teve orçamento de US$ 3,8 milhões e, mais do que os R$ 36 milhões arrecadados mundialmente, se tornou motivo de bastante orgulho no país de origem.


No ano anterior, a estatueta de melhor animação também foi para um filme com cifras bem menos expressivas do que os concorrentes. O Menino e a Garça (Studio Ghibli), com orçamento de US$ 55 milhões, superou, por exemplo, Elementos (Disney), que custou US$ 200 milhões; e Homem Aranha: Através do Aranhaverso (Marvel-Sony), com custo de US$ 90 milhões.


De quem é a culpa?


Mais recente animação da Disney-Pixar, Elio (2025) conta a história de um menino de 11 anos que, depois de perder os pais, tem dificuldades para fazer amigos e se adequar às convenções sociais. Ao realizar o sonho de ser abduzido por alienígenas, ele se torna representante da Terra em uma comunidade intergaláctica, onde é amado e compreendido.


Ainda que o pano de fundo seja diferente, o roteiro repete a história de um indivíduo que não se encaixa na própria realidade e precisa viver uma grande aventura para entender que precisa ser autêntico para encontrar seu lugar no mundo – qualquer semelhança com Encanto (2021) e Elementos (2023) definitivamente não é mera coincidência.


Elio | Disney-Pixar/Reprodução
Elio | Disney-Pixar/Reprodução

Inicialmente, o longa seria dirigido por Adrian Molina – nome por trás do memorável Viva, a Vida é uma Festa (2017) –, que concebeu o protagonista latino e queer, sendo esta última característica um tema jamais explorado nos títulos do estúdio. Entretanto, decisões executivas levaram a alterações significativas no roteiro e no personagem principal, o que provocou a saída de Molina do projeto. O resultado de um processo criativo podado e do uso de técnicas de animação já conhecidas da audiência foi uma arrecadação de pouco mais de US$ 144 milhões, diante do orçamento estimado em US$ 150 milhões.


Em vez de repensar as próprias escolhas, a companhia achou que seria uma boa ideia atribuir ao público a responsabilidade pelo fracasso de Elio – sim, isso aconteceu com a publicação de um reels literalmente dizendo “parem de reclamar que não fazemos histórias originais se vocês não vão aos cinemas apoiá-las”. Enquanto isso, os concorrentes em Hollywood se arriscaram e mostraram que – ufa! – ainda há esperança por lá.


Um dos bons exemplos é Robô Selvagem (2024), da DreamWorks, que, para sustentar a comparação, também fala sobre pertencimento, mas sob uma perspectiva bastante diversa. Com direção de Chris Sanders – responsável pelas franquias Lilo & Stitch e Como Treinar Seu Dragão –, a narrativa é pautada na relação entre Roz, uma robô perdida na floresta, com as várias formas de vida que habitam aquele ambiente.


Robô Selvagem | DreamWorks/Reprodução
Robô Selvagem | DreamWorks/Reprodução

O que parece simples ganha muitas camadas, tanto por meio da construção das relações entre os personagens, como com o trabalho técnico de qualidade indiscutível. Os detalhes dos cenários e a mudança das cores, que acompanha as estações do ano e o estado de espírito dos seres animados, são elementos determinantes para que a história seja contada com sensibilidade e bom gosto, palpável para adultos e crianças.


Outro caso em que a bolha da mesmice hollywoodiana foi rompida é o de Guerreiras do K-Pop (2025), parceria entre Sony e Netflix. O título conta a saga de Rumi, Mira e Zoey, estrelas do k-pop que, quando não estão se apresentando em estádios lotados, usam poderes secretos para proteger os fãs de ameaças sobrenaturais. Capaz de reproduzir e, ao mesmo tempo, quebrar alguns estereótipos dos grupos coreanos, o longa é um fenômeno que ocupa o posto de animação mais assistida da história da Netflix e o de segundo filme mais visto, em qualquer gênero, da história da plataforma.


Guerreiras do K-Pop | Netflix/Reprodução
Guerreiras do K-Pop | Netflix/Reprodução

O roteiro não só é direcionado a um nicho bastante específico, como também explora talentos de artistas não tão conhecidos, dando ao público a oportunidade de dizer se gosta do que está chegando aos seus olhos e ouvidos. Já a narrativa se destaca ao deixar de lado protagonistas que conquistam com facilidade tudo que desejam, substituindo-as por personagens mais humanizadas, com potencial para transformar crises em oportunidades.


Além de Hollywood


Em outras partes do mundo também há excelentes exemplos dos caminhos que os filmes animados podem seguir. Além dos já mencionados Flow e O Menino e a Garça, o chinês Ne Zha 2 (2025) subiu bastante a régua de qualidade fora do eixo hollywoodiano.


O longa fala sobre um personagem da mitologia chinesa que nasce de um ovo e é fadado à destruição, mas acaba se tornando um herói que luta contra as forças do mal. Além de enfrentar muitos desafios externos, o jovem protagonista cativa pela bravura de lidar com questões internas e pela coragem de confrontar o próprio destino.


Além de 160 milhões de pessoas que o assistiram apenas na China, o título teve resultados expressivos nos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Alemanha, Reino Unido e Rússia, acumulando quase US$ 36 milhões em bilheteria internacional. Com custo aproximado de US$ 80 milhões, o longa conquistou público e crítica, se tornando referência não só em relação às técnicas de animação digital, mas também quando o assunto são as narrativas épicas.


Ne Zha 2 | Beijing Enlight Pictures/Divulgação
Ne Zha 2 | Beijing Enlight Pictures/Divulgação

Já o australiano Memórias de um Caracol (2024), que esteve entre os indicados ao Oscar deste ano, combina a técnica de stop motion a uma temática bastante debatida na sociedade, mas pouco retratada no cinema animado. Com direção de Adam Elliot – por trás do belíssimo Mary e Max: Uma Amizade Diferente (2009) –, o longa conta a vida de Grace Pudel, jovem que sofreu muitas perdas e lida com a depressão.


Apesar da densidade inerente ao assunto, há uma delicadeza em provocar o público, com reflexões sobre inseguranças e traumas, e também sobre a forma de lidar com a tristeza e a solidão. Assim como os caracois de estimação que são os amigos mais próximos da protagonista, ela deseja se esconder na própria concha e fugir do mundo assustador onde vive. A produção, que levou oito anos para ficar pronta, não garante um final feliz, mas abre uma infinidade de possibilidades que dependem das escolhas feitas por Grace.


O que esperar?


Para os próximos meses, são quase nulas as expectativas para animações originais – pelo menos em Hollywood. Zootopia 2, Shrek 5, Toy Story 5, Minions 3, Frozen 3 e A Era do Gelo 6 estão entre os títulos já anunciados, que se juntam aos inúmeros relançamentos e live-actions de animações clássicas, todos previstos para o fim de 2025 e para os anos seguintes.


Os motivos para esse fenômeno podem ser muitos, e enquanto os próprios estúdios parecem não estar dispostos a refletir a respeito, o público continua dando sinais de que pode sim, consumir histórias já conhecidas, mas deseja avidamente por originalidade técnica e narrativa.


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