Corpo e apresentação: performances que transformam
- Revista Curió
- 18 de jul.
- 4 min de leitura
Atualizado: 21 de jul.
O Red Bull Dance Your Style como palco para a presença de corpos dissidentes nos holofotes globais.
Por: Thiago Daniel
Última Atualização: 15/07/2025

No último sábado (12), aconteceu a final nacional do Red Bull Dance Your Style, uma competição que celebra diversos estilos de dança urbana pelo mundo afora. Quem decide o campeão é o público, que, por meio de placas com uma face vermelha e outra face azul, levantam a cor que representa sua performance favorita. O lado vermelho sempre começa e o torneio se desenrola em duelos, aplicando o sistema de chaves até chegar no último round. Em Belo Horizonte, então, Ryan Fúria foi selecionado pelo público para representar o Brasil na disputa pelo mundial, que acontecerá em Los Angeles.
Mais do que uma competição de dança urbana, é possível perceber que o evento apresenta uma faceta interessante: a presença de corpos dissidentes em posição de destaque. Darlene Valentim, conhecida em Belo Horizonte como Vovó da ZN, é travesti, mestre de cerimônias, cantora e, durante o Red Bull Dance Your Style, foi apresentadora – pelo segundo ano consecutivo, ao lado de Zulu Gregório, um carioca dançarino, host e tatuador. Em entrevista com a equipe Curió, Darlene conta sobre a importância de corpos dissidentes ocuparem espaços como esse:
“Ainda existem muitos obstáculos que aparecem higienizados, entre linhas, mas é muito importante pra mim, como uma travesti preta, gorda e favelada ocupar esses espaços e levar um pouquinho do que eu sou para outros patamares. É sobre conseguir me conectar com outras pessoas, com outras travestis, com outras pessoas trans e não binárias, com pessoas que tenham uma história de vida parecida, que almejam coisas parecidas. Para mim, é levar isso como uma responsabilidade de vó mesmo, de mãe. É conseguir encher o meu e de dividir para encher as das outras também, sabe? É hackear os espaços: acessar e trazer as outras, fazendo com que o futuro seja travesti.”
Ao ser perguntada sobre sua participação no evento, ela comenta:
"É a segunda vez que eu apresento a final, mas ainda assim, parece que foi a primeira. A ansiedade e a responsabilidade de fazer bonito pra mim, dentro de casa ainda (Belo Horizonte) batem muito. Mas é uma sensação maravilhosa fazer parte de um evento tão grande. Meu trabalho está sendo divulgado e, enquanto uma travesti, isso está sendo maravilhoso."
Entender que, para um país que marginaliza corpos travestis, ter a presença de Darlene em um evento mundialmente transmitido é mais que revolucionário. É a pavimentação, em tempo real, de um caminho de possibilidade para que outros corpos dissidentes ocupem espaços hegemonicamente brancos, cis e heterossexuais. Oportunidades de trabalho com marcas grandes ainda são escassas para corpos marginalizados, mas, observando a atuação de Zulu e Darlene no palco do Dance Your Style, é evidente que o investimento em carisma, vivência e autenticidade são a resposta para o futuro. A Curió perguntou: “Como você apresenta com tanto carisma?” e “Como foi dividir o palco com Zulu?” E Darlene respondeu:
“A minha forma de conversar com o público é muito intimista, né? É como se a gente tivesse numa grande sala de aula… Eu jogo o B.O pra eles, eles jogam o B.O pra mim e a gente leva isso até o fim do evento. Eu gosto de integrar o público. Eu fico menos nervosa, me sinto em casa, acolhida e ainda trago eles para a dinâmica do evento. Minha linguagem é assim, eu gosto de passar essa imagem: é sério mas tem que dar risada”
“Dividir o palco com o Zulu é sempre maravilhoso, né? O Zulu tem uma energia maravilhosa… No ano passado, na seletiva, eu tava super nervosa porque ia ser a primeira vez que eu ia fazer Red Bull. Eu cheguei lá no RJ e o Zulu gritou meu nome no microfone. foi aí que eu entendi porque eu estava nervosa, foi pra isso que eu vim pra cá! Ele é um parceiro incrível, a gente conversa muito fora do palco, até para combinar a sinergia, saber onde é que a nossa loucura vai levar a gente hoje… Ele é incrível e eu tenho certeza que eu ainda vou aprender a dar aquele grito dele.”
O evento certamente abriu novas oportunidades para a carreira artística de Darlene, então, pensando sobre como ela se vê daqui a 5 anos, Vovó da ZN responde:
“Eu fico pensando muito nisso… O que eu vejo pra mim daqui a cinco anos, além de uma boa lipo de papada e um bom silicone, é a realização da minha meta, que é chegar aos meus 35 anos tendo vivido tudo que eu sempre quis, sobretudo artisticamente. Eu me vejo milionária, vendo meus filhos milionários. Eu quero uma House de BallRoom com meu nome, eu quero expandir meu trabalho, quero levar minha voz a outros lugares, conhecer outros espaços e quero conquistar outras pessoas, tudo com meu jeitinho Vovó da ZN de ser. O que eu quero daqui a cinco anos é vida abundante.”
E que não só a vida seja abundante, mas que o hackeamento desse sistema seja feito de forma constante, garantindo o acesso de potências marginalizadas ao centro dos holofotes.
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