Desigualdade Social e Soberania Alimentar
- Revista Curió
- 14 de out.
- 4 min de leitura
Um país com desigualdades continentais
Por: Isis F. Zappellini
Última Atualização: 14/10/25

O Brasil alcançou, em 2025, a redução da taxa de subnutrição. Depois de uma longa trajetória desde o final da pandemia, em 2022, o país saiu novamente do “Mapa da fome da ONU”, como divulgou o Relatório Do Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo 2025. Um feito histórico, visto os 12 anos de esforços na última vez que estivemos fora da lista. O índice internacional elaborado pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) estabelece, ao utulizar diversos parâmetros para avaliar as populações, que a Prevalência de Subnutrição (PoU), seja menor que 2,5%.
Mesmo fora do Mapa da fome da ONU, muitos brasileiros ainda enfrentam um cenário de insegurança alimentar, afinal de contas, mesmo que menos de 2,5% da população esteja subnutrida, Esse número representa, aproximadamente, 5 milhões de pessoas que não tem acesso à comida por questões de poder aquisitivo, principalmente. Segundo dados do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), mais de 335 mil pessoas viviam em situação de rua até março deste ano (2025). A taxa de desemprego, embora tenha sido a menor registrada desde 2012, ainda mostra que 5,6% da população, por estarem sem fonte de renda, não tem oportunidade de acessar direitos básicos, como por exemplo à alimentação balanceada.
Vivemos na décima economia do mundo, o quinto país que mais cresce e o maior produtor de alimentos do planeta. Apesar de ser referência em produção agropecuária intensiva mundialmente, a maior parte da dela é voltada para exportação. Quem alimenta o Brasil, de fato, são os pequenos produtores da agricultura familiar. Segundo o IBGE, 70% da comida que chega às mesas das casas brasileiras é fruto dessa forma de cultivo extensivo, promovendo alimentos como feijão, arroz, milho, leite, batata, mandioca, abacaxi, banana e café. Ainda sim, o governo continua destinando R$364 bilhões para o agronegócio, enquanto destina apenas R$77,7 bilhões para a agricultura familiar.
A fome e a insegurança alimentar não são questões meramente econômicas. É uma questão política. Pensando assim, é possível transformar essa realidade. O Brasil possui inúmeras terras propícias para plantio saudável. Terras que respeitam o solo e a vegetação local. Terras geridas por grupos capazes de promover esse sistema, como os povos indígenas, as populações ribeirinhas, as comunidades quilombolas e o MST. O que vemos na prática, no entanto, são terrenos ociosos no nome na União, o retrocesso na demarcação de territórios indígenas, e o avanço violento de grandes indústrias agropecuárias e de mineração em terras diversas.
Para o SISAN - Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Segurança Alimentar e Nutricional “consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.”
Por isso, não é só sobre ter o que comer, é também sobre ter direito de se alimentar com qualidade. Mesmo os cidadãos que têm a oportunidade de trabalhar, passam por carga horária exaustiva, dificuldades com o transporte até o trabalho e a baixa remuneração, culminando, além de outros muitos problemas, na qualidade da alimentação do dia a dia dos indivíduos. Sem tempo para cozinhar em casa e levar uma marmita, ou preparar um lanche completo, muitas vezes encontram apoio em alimentos mais rápidos e industrializados, que na maior parte das vezes é mais barato do que uma refeição em restaurantes ou lanchonetes, que servem alimentos naturais.
O problema é que, economizando na conta, deixam de consumir nutrientes importantes para o corpo, além da ingestão de corantes, conservantes, gorduras e açúcares em excesso. Em um consumo que não nutre, temos, hoje, no Brasil, um cenário chamado de Dupla Carga de Má Nutrição, compreendida pela maior incidência de obesidade e desnutrição na população. A oferta acessível de ultraprocessados e a dificuldade do acesso aos alimentos saudáveis mostra como mudanças dos hábitos de consumo se estabeleceram a partir de toda uma construção socioeconômica e política. O que implica em revisar o sistema econômico do país, que se baseia em venda de commodities (matéria-prima) e compra de manufaturados (produtos industrializados), privilegiando grandes negócios que consomem muita água e desperdiçam alimentos a troco de “regular o mercado”.
A chamada Soberania Alimentar, propõe um sistema no qual os povos definem as próprias estratégias para produção, distribuição e consumo dos alimentos, tudo de maneira sustentável, como por exemploa agroecologia. Dessa forma, preserva-se a cultura local, os modos de cultivo e os saberes tradicionais, com grande diversidade de alimentos plantados, respeitando o meio onde são produzidos.
Além da vital importância para o solo, a diversificação do cultivo promovida por sistemas agrícolas ecológicos mantém viva a ancestralidade das sementes, multiplicando os frutos e promovendo variabilidade genética. As sementes permitem uma importante função, democratizando o acesso à esses alimentos. Ao evitar o uso de agrotóxicos e pesticidas que fazem mal a todos os seres da cadeia alimentar da planta, cria-se um ecossistema sustentável no qual o ser humano, os animais e a vegetação coexistem em harmonia.
Em frente à crise climática que se agrava, é de suma importância revisar nossa relação com o planeta. O aumento da temperatura, a desregulação das estações e o derretimento das geleiras são alguns dos fatores que têm impacto direto nos sistemas de plantio. Sistemas de Permacultura e agrofloresta têm uma visão sistêmica do processo produtivo, frequentemente reaproveitando água e matérias orgânicas, ajudando a manter a fauna e flora local, criando comunidades que deixam pouco resíduo e baixa interferência na natureza.
É essencial enxergarmos os alimentos como matéria substancial à vida e não como simples produto do sistema de capital. Quando o povo se junta, é capaz de trazer transformações incríveis, tal o recente caso da PL da isenção do Imposto de Renda até R$5 mil, que mobilizou milhares de pessoas por todo o território nacional e garantiu os unânimes 493 votos favoráveis. Lutemos pela Reforma Agrária, pela Demarcação das Terras, pela garantia dos direitos básicos a todos, inclusive pelo direito de se alimentar bem, com comida de qualidade e preços justos. Exerça sua cidadania!



Comentários