Entre o sonho e a timeline: Clara Bicho se destaca como uma aposta na nova música independente brasileira
- Revista Curió
- 14 de mai.
- 10 min de leitura
Dividindo sobre os processos por trás do seu primeiro EP “Cores da TV”, Clara Bicho compartilha com a Revista Curió os desafios do mercado da música, as parcerias que marcaram sua estreia e a vivência de ser artista e comunicadora
Por: Wagner Rodolfo
Última Atualização: 14/05/2025

Um desejo enorme de saber das cores, das coisas guardadas que o tempo deu e entender as diversas cenas (que faz parte ou de outras geografias) da nova música brasileira. Você pode conhecer Clara Campos, uma das idealizadoras da Revista Wanda e também colaboradora do portal de música Popload. Como também pode conhecer como Clara Bicho, artista mineira que desponta na cena indie da música brasileira, apontada como aposta por veículos de grande respaldo da música, como Tenho Mais Discos Que Amigos, Popload ou em destaques pelo jornalista Alexandre Matias (Trabalho Sujo), um dos integrantes da APCA, que deu uma faixa da artista com exclusividade em um texto onde tece elogios para a promessa do indie mineiro.
Clara Bicho já é um projeto de sucesso. Mesmo com por enquanto seis canções lançadas nas plataformas, a artista se consolidou como uma figurinha conhecida na timeline do x (antigo twitter) e em destaques em diversos portais. A mineira começou a lançar suas primeiras músicas de forma despretensiosa, mas o lo-fi-pop-alternativo-feito-dentro-do-quarto foi conquistando um grande público. Pude assistir em 2024 o primeiro show da artista na casa de shows Estúdio Central em Belo Horizonte e Clara mobilizou muita gente em um evento em que dividia a noite com a banda Varanda. Todos cantavam juntos cada uma das canções.
É interessante observar que Clara é uma daquelas artistas versáteis que se desdobram em muitas etapas do seu trabalho. Ela ilustra as próprias capas, pensa na produção artística, na direção criativa dos ensaios, em toda a estética e até realiza a própria comunicação, com uma assessoria de imprensa forte, performando em inúmeros portais de música.
Mas Clara também é jornalista. Formada pela Universidade Federal de Minas Gerais, recentemente começou a colaborar para o portal de música Popload, onde produz textos na coluna “Cena Viva”, sempre falando de diferentes cenas espalhadas pelo Brasil, do Beagrime ao indie santacatarinense. Além disso, ao lado de Gabriela Matina, Júlia Ennes e Thalia Vargas, é uma das fundadoras da revista digital Wanda, uma newsletter sobre arte e cultura que vem se destacando em Belo Horizonte.
Seja como artista, seja como comunicadora, Clara Bicho ou Clara Campos tem muito o que dividir. Tendo seu primeiro EP recém lançado, “Cores da TV”, batemos um papo com a agitadora cultural para eternizar um pouco este momento tão importante em sua trajetória.
Waguinho MPBDoll: Jornalista, comunicadora, artista visual, ataca de designer, compõe, canta, toca, ainda faz a própria assessoria de imprensa e produz os próprios eventos, posso dizer que você representa muito bem uma geração independente do "Faça Você Mesmo". Como você enxerga esse movimento? Imagino que para além de exaustivo, deve dar uma satisfação gostosa por conseguir gerir e ser empresária do projeto "Clara Bicho".
Clara Bicho: Obrigada pelas palavras gentis, Waguinho! Olha, isso de eu estar em tudo na minha carreira de artista foi uma mistura de falta de opção, mas também um pouco do meu traço de personalidade: quando quero fazer uma coisa eu meto cara, pesquiso, procuro saber como fazer e me esforço. Eu não tenho medo de trabalhar!.
No começo (nos primeiros singles) eu não tinha contato nenhum com o mercado da música e não tinha uma produção, ninguém por trás de mim, fui conhecendo as pessoas do meio só depois de lançar os primeiros singles.
Não acho que estou fazendo tudo completamente sozinha, porque tem pessoas que me ajudam. Por exemplo, meu irmão está sempre comigo, sempre me apoiando, me ajudando em tudo. Tenho amigos que me ajudam também, seja um amigo fazendo camisa, um amigo que gravou um baixo, opinou em algum lugar.
Eu não sei... Não sei explicar direito, mas eu tô fazendo isso por mim. Eu vou compor uma música, vou tocar, vou lançar. E acho que talvez uma das maiores qualidades do meu trabalho é justamente isso: ele é autêntico, é orgânico. E, pelas circunstâncias e pelo tempo que se deu, acabou sendo assim.
Eu acho que tem muitos artistas que, às vezes, têm tanta gente por trás que a pessoa acaba sumindo, sabe?
Então acho que é isso: pelas circunstâncias acabou sendo desse jeito. É exaustivo mesmo — tem dia que dá aquele leve surto, moderado a grave, dependendo do dia. Porque a gente não consegue acumular todas as funções muito bem, sempre. Mas acho legal esse aprendizado também. Mesmo que, no futuro, nos próximos projetos, eu apareça menos em algumas funções, eu acho importante ter esse mínimo de conhecimento: desde compor até subir a música no Spotify. Acho legal que todo artista tenha um pouquinho dessa vivência.
Waguinho MPBDoll: Total, é importante que o artista saiba de todas as etapas. Falando sobre o trabalho artístico, eu acho bonito como seu EP passa por diversas referências alternativas, tem uma pegada lo-fi, mas tem um flerte com rock alternativo na faixa com os Exclusive Os Cabides, tem horas que você canta meio sussurrando, que me lembra uma Billie Eilish brasileira, tem horas que a lírica me lembra canções de Ana Frango Elétrico, me lembra canções de Sophia Chablau. Como é pra você misturar todas essas referências? E como você define seu som?
Clara Bicho: Pergunta difícil, Waguinho, mas é uma boa pergunta. Então esse EP eu não planejei, eu não tive uma equipe por trás. Eu só fui fazendo. Fui juntando as músicas, trocando umas no meio do caminho — teve música que ficou de fora.
Acho que o elemento comum entre as faixas sou eu mesma porque tem um tanto de músicas diferentes, pois tem muita gente diferente envolvida. Se você olhar a ficha técnica, deve ter, sei lá, quase 30 pessoas. Teve música que gravei com os Cabides, que fizeram o arranjo comigo. Teve a que fiz com a Sophia e o Diego. “A rua” e “Meu quarto” eu gravei com o Gui Vittoraci. E teve a “Música do Peixe”, que produzi sozinha..
Como cada faixa tem uma formação diferente, elas acabaram soando bem distintas umas das outras. Mas no fim acho que ficou coeso, de alguma forma. A gente misturou muitos estilos que eu gosto. A “Música do Peixe”, por exemplo, tem essa vibe mais MPB, que é uma parada que eu amo — inclusive, acho que meus próximos trabalhos vão seguir mais por esse caminho. Já comecei a gravar umas demos...
E tem essa pegada mais rock também, como você falou, na faixa com os Exclusive. As outras vão mais pro indie pop... Então é isso: uma grande mistureba de MPB com indie pop com rock alternativo.
Waguinho MPBDoll: Massa demais. Quando penso no seu som penso em bedroom pop, um som pop feito dentro do quarto. E tem algo nos seus eu eulíricos que passam por algo muito mental, de reflexões da cabeça, pensando na relação com o outro, né, tanto na “A Rua”, na “Música do Peixe” canções que apresentam muitas perguntas, com muitos pontos de interrogação, trazendo esse diálogo com o outro, como reflexões que temos antes de dormir. Diria que Clara Bicho é um indie-pop-MPB-de-pensamentos-pré-sonhos, uma coisa onírica…
Clara Bicho: Nossa, gostei, acho que faz muito sentido porque eu acho que esse EP é sobre a minha relação com o mundo, que estava se dando ali nesse período, porque tem música que eu escrevi quatro anos atrás, três anos atrás, e algumas que eu fui captando uns pedaços de quatro anos atrás, uns pedaços do ano passado. Acho que foi muito isso, assim, isso que está falando faz muito sentido, porque foi muito isso de sempre ser eu pensando qual é a minha relação com as pessoas, com sonhos também, com sentimentos. Total por aí.
Waguinho MPBDoll: E passa uma vibe de psicodelia onírica, tá muito nesse campo mesmo dos sonhos. Tem dois nomes interessantes neste primeiro EP, né? A paulistana Sophia Chablau, um dos maiores destaques do Rock Alternativo dos últimos cinco anos, e a Exclusive Os Cabides, banda aposta de Santa Catarina, que está conquistando cada vez mais a crítica e se destacando nos festivais, inclusive estará no Festival Popload. Como foi a escolha deles para essas parcerias?
Clara Bicho: Acho que foi tudo muito natural, sabe? Nada foi planejado. Não foi como se eu tivesse sentado e pensado: “quero um feat com a Sophia e com os Exclusives”. Foi acontecendo.
Com o pessoal dos Exclusives mesmo… Eu ainda nem tinha lançado todas as músicas. Acho que só tinha umas três na rua, incluindo “Luz da Cidade”. Eles não me conheciam e eu também não conhecia eles. Aí um dia curtiram um tweet meu, e eu vi aquele bonequinho que eles usam — um desenho que acho que o João fez, tipo uma amoeba amarela com fundo rosa. Aquilo me pegou. Falei: “quem são esses Cabides aqui?” Aí comecei a seguir, eles me seguiram de volta, fui ouvir e pirei. Escutei “Sambinha” e, sei lá, tenho essa mania — escuto uma música, gosto, e fico só nela por dias. Depois é que fui ouvir o resto. Eu tinha acabado de compor “Árvores”, que tem essa coisa meio lúdica, nostálgica, meio de infância, e pensei: essa música tem tudo a ver com eles. Mandei uma DM, foi o Antônio que respondeu. Perguntei se topavam fazer uma música, e rolou. Gravamos “Árvores” juntos. Depois fizemos até um show aqui em BH. Conhecer eles foi muito legal, parecia até que eu estava conhecendo a Xuxa (risos). Eu estava tentando bancar o lado amiga, mas por dentro ainda era meio fã.
Com a Sophia foi um trem absurdo. Parece mentira, mas é real. Eu já escutava ela — escutava Uma Enorme Perda de Tempo, escutava Besouro Mulher — mas não seguia em rede nenhuma, e ela também não me seguia. A gente era completamente desconhecida uma da outra. E aí... entra você, Waguinho! Você me ajudou nisso. Eu postei um tweet, e depois ela apareceu me chamando pra fazer uma música. Fiquei tipo: “que que tá acontecendo?” Achei que fosse uma conta fake. Perguntei pra ela um tempo depois de onde tinha vindo essa ideia, e ela falou que foi você quem mostrou meu som pra ela lá em São Paulo. Ela ouviu, gostou, me achou simpática e resolveu me chamar.
Fazer música com a Sophia foi lindo. A gente se deu super bem, parecia que era pra ser. Gosto muito dela como pessoa e como artista. E, parando pra pensar... é meio doido, né? Logo no meu primeiro EP, feat com Sophia Chablau e com os Exclusive Os Cabides. Me senti abençoada.
Waguinho MPBDoll: E é um posicionamento muito interessante, no primeiro trabalho já ter esse lastro, esse respaldo de artistas bem posicionados pela crítica, né? E também, nesse encontro com a Sophia Chablau, teve uma figura importante: o Dizzy, o Diego Vargas da banda Pluma.
Clara Bicho: É, o Dizzy... Eu ia chegar nele, porque isso aí é outro capítulo da história (risos).
Mas foi assim: conheci a Sophia, a gente trocou mensagem, comecei a mandar umas ideias pra ela, inclusive “Cores da TV” que já tinha esse nome desde o começo. Ela mexeu nela, foi trabalhando, isso em janeiro do ano passado. Aí a gente ficou naquela: “E aí, como a gente grava isso?”. E ela: “Ah, posso ir aí, passar uma semana, sem problema”. Só que a Sophia é super ocupada, né? Então o negócio ficou de molho. E eu fiquei naquela: “Não vou ficar enchendo, uma hora rola”.
Nesse meio tempo, conheci o Dizzy. Ele me mandou uma mensagem falando: “Vamos fazer alguma coisa juntos?”. Aí eu falei: “Você é amigo da Sophia, né? Tô com esse trem aqui pra resolver...”. E ele: “Então pronto, eu produzo essa música”.
Aí ele criou um grupo com nós três e falou: “Clara, vem em junho, a gente resolve isso aqui”. E foi isso. O Diego foi tudo e mais um pouco. Ele fez a música acontecer.
No estúdio, tava eu, ele e o Gabriel Campos (meu irmão). E é muito louco, porque o Diego parece um mago. Ele sentava no sintetizador, criava um negócio incrível, aí falava: “Ah, não, vou gravar de novo”, e o Gabriel só: “Mas já tá perfeito!”(risos). Porque ele é assim, muito talentoso mesmo.
E “Cores da TV” ficou uma mistura de Pluma, Sophia e comigo e vou até agradecer, porque eles foram super generosos comigo, super fofos, super queridos, eles já têm uma estrada, são pessoas que já tem esse calibre, já são reconhecidos, e mesmo assim olharam pra mim, acreditaram, quiseram fazer parte. Isso me marcou muito. Sou muito grata aos dois. Muito mesmo.
Waguinho MPBDoll: E calibre mesmo, né, os dois estavam no Lollapalooza esse ano! Falando em Sophia Chablau, sinto que tem uma conversa entre o eu lírico de “Cores da TV” com o eu lírico de “NOVA ERA”, música dela com João Barisbe lançada com o Felipe Vaqueiro. Na sua, o eu lírico quer ir embora para ficar junto: “Eu quero ir embora, só eu e você agora”, já na outra canção, o eu lírico quer ir embora pois deu tudo errado: “Eu, eu quero ir embora… Não vou ficar pra ver esse fim de festa”
Clara Bicho: Eu não tinha pensado nisso! Mas faz muito sentido! Eu acho que talvez “Cores da TV” era o romance e aí “Nova Era” o término.
Waguinho MPBDoll: Não tem como não passar por esse outro lado. Sei que o nosso foco aqui é o EP, é o seu trabalho artístico. Fiquei muito feliz em ouvir suas influências, ouvir essas histórias dos encontros. Mas a gente não pode deixar de falar que temos a Clara Bicho e temos a Clara Campos. Temos uma artista e uma comunicadora. Eu tô adorando seus textos para revista Vanda e também pro Popload. Gosto de como você pesquisa diferentes cenas musicais no Brasil. Como você enxerga esse processo dialético de ser artista e, ao mesmo tempo, comunicadora e pesquisadora musical?
Clara Bicho: Eu acho que são coisas que se complementam muito na minha vida — e que vieram de forma super natural. Quando entrei na faculdade de jornalismo, nem pensava em ser jornalista cultural. Mesmo sendo o caminho mais óbvio, eu estava ali tentando ir contra a minha própria natureza. Estudava política, economia... Até que, na metade do curso, falei: Não é isso! Aí comecei a estudar crítica musical, visual, arte... Tudo isso que eu amo.
Estar nesses dois campos — da criação artística e da análise crítica — me dá uma perspectiva dupla. Tipo um “POV dos dois lados” (isso foi muito geração Z da minha parte, risos). Mas isso me faz entender melhor o que tá acontecendo. Quando vou entrevistar alguém, por exemplo, não penso só com o olhar jornalístico. Fico atenta também a detalhes musicais: que progressão de acordes a pessoa usou, que tipo de melodia tá trabalhando... E às vezes aprendo ali, na troca.
E o contrário também acontece. Quando sou entrevistada, como agora, fico observando como a pessoa conduz, o que posso aprender com ela. Me vejo como alguém que ainda tá começando — tanto como artista, quanto como jornalista. E não falo isso me diminuindo, é só um fato. Tô num momento de aprender muito.
Tem muito artista que não entende de comunicação. Acha que é banal, que qualquer um faz, ou que é fácil. E não é. Quando lancei minhas primeiras músicas, ouvi muito músico me criticando: “Ah, você fica se postando demais”, “se divulga demais”, como se isso me tornasse menos artista. Mas eu só estava tentando fazer minha música chegar nas pessoas. E se você não tem alguém te bancando, se não tem um parente famoso... Você tem que correr atrás. Tem que criar seu palco.
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