Gabriel Duarte conversa sobre produção musical e mergulha no processo criativo do Coisas Naturais
- Revista Curió
- 23 de abr.
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Produtor de quatro das 13 faixas do álbum, Gabriel Duarte fala sobre seu contato com a música e o projeto artístico do terceiro álbum de estúdio de Marina Sena
Por: Ana Carolina Costa
Última atualização: 23/04/2025

Coisas Naturais, apesar de ser o caçula da discografia de Marina Sena, é descrito por ela como o lançamento mais maduro de sua carreira — um caleidoscópio de ritmos e gêneros que respeitou, principalmente, o processo artístico de todos envolvidos na produção. Em entrevista ao Estadão, Marina revelou que, quando começou, “queria ser exatamente a artista que é hoje”. Essa autoconfiança e a sintonia compartilhadas com sua equipe foram os fatores que impulsionaram o disco a estrear com 3,96 milhões de streams em seu primeiro dia de lançamento no Spotify.
Cheio de latinidade, cor e música de dançar colado, o álbum não foi só parte da visão de uma artista, mas o trabalho de uma equipe de produtores, instrumentistas e engenheiros de som que encantaram o público através de músicas que fogem da monotemática. Assim, para entender os saltos entre os gêneros — do funk ao brega, da MPB ao reggaeton — e mergulhar no processo criativo da produção do Coisas Naturais, a Revista Curió conversou com Gabriel Duarte Mendes, mineiro, multi-instrumentista e nome que compõe os créditos de quatro das 13 faixas do álbum.
Gabriel já é uma figura marcante no cenário musical de Minas Gerais. Sua versatilidade chama atenção porque ele trabalha com artistas de cantos bem distintos do mapa sonoro — desde Esquinas, som delicado de Anavitória, até Ogoin e Linguini: TV Show, projeto do duo Ogoin e Linguini, que aposta em ritmos mais experimentais. À primeira vista, os nomes em seu currículo aparentam ter sonoridades completamente opostas, mas, quando vistos de uma perspectiva mais ampla, fazem muito sentido. “Eu sempre fui muito fã de música pop. Acho que nisso de ser brasileiro, a gente se acostuma a ser muito eclético. Gostamos de um reggaezinho, de funk, de rock… Num geral, eu gosto de fazer música alegre”, explicou Gabriel. Esse objetivo de fazer música alegre, então, é o que faz caber de tudo um pouco no seu repertório: Drum n’ Bass (DnB), folk brasileiro, funk e agora o pop tropical que cativa no Coisas Naturais.
“Eu sempre tive esse interesse pela música. Meu pai é baterista e tocava na igreja. Esse ambiente (da igreja), que eu sempre fiz parte, foi onde eu comecei a pegar interesse pelos instrumentos, na infância mesmo. Aí, quando eu estava na faculdade estudando publicidade, fiz um amigo chamado Jorge. A gente começou a fazer beats juntos, foi uma coisa bem linda. Na época da pandemia, começamos a fazer coisas para lançar, de 2020 para 2021. Sinto que eu comecei a minha carreira na produção ali”, revela. Depois disso, veio o projeto Qnipe — focado em remakes de músicas dos anos 2000 — e sua participação na produção de coletivos locais de música eletrônica, como o RUADOIS, que ajudaram a firmar sua trajetória como produtor.
Desse amor pela música nasceu também sua amizade e parceria com Gian — ou Janluska, como é conhecido — principal produtor do Coisas Naturais. “Ele (Gian) é um cara muito foda musicalmente, que coloca os projetos para frente. Acho que tem pouca gente que faz isso tudo no nível que ele faz”, disse. A colaboração serviu como grande fonte de aprendizado para o produtor. “A gente aprende muito num geral dentro do estúdio, mas eu sinto que para fazer música pop tem que ter muita sensibilidade. Tem que sentir a vibe, estar sensível às coisas da vida. Acho que o que eu mais aprendi nesses últimos tempos é que quanto mais sensível você é para fazer música, mais fácil o processo fica”, contou.
A produção do Coisas Naturais, segundo Gabriel, aconteceu… naturalmente. Sem amarras à referências ou estilos específicos; a prioridade era criar uma vibe:
“A coisa foi acontecendo mais de um jeito natural, mesmo. Eu entrei no processo criativo do álbum, que durou um ano e pouco, no final dele. Conversei e fui conhecer a Marina em janeiro desse ano. A produção de “Numa Ilha” eu fiz com o Gian online, enquanto ainda estava em Belo Horizonte. Mas tudo começou numa imersão que ela fez com alguns músicos que tocam com ela, no início do verão passado, e nisso eles ficaram improvisando. Das músicas que saíram dessa imersão, o que norteou o processo não foi um estilo específico ou um artista de referência, mas o clima… Uma vibe. Se você prestar atenção no disco, ele tem uma vibe mais soturna… Um clima de madrugada de verão. Isso, junto com o que a Marina queria expressar, deu o tom do disco”
No vídeo compartilhado no Instagram, Gabriel e Gian mostram parte do processo de criação de “Numa Ilha”, com os dois em frente ao computador, experimentando com diversos efeitos de distorção sob um recorte dos vocais de Marina. “Eu e Gian demos a vida para produzir ‘Numa Ilha’, e ela tem um vibe sinistra. Cê dá play e já acontece tudo”. E, por isso, a faixa é a sua favorita:
Seguindo o clima de madrugada na praia, Gabriel e Janluska deram à luz também a “Lua Cheia”, “Combo da Sorte” e “Doçura”. Segundo ele, “Lua Cheia” nasceu na sala da casa de Marina Sena só com um microfone, um computador e um teclado. “Ali mesmo ela fez toda a letra, já sabendo que queria fazer um arrochinha. Quando eu cheguei, a Marina disse que queria que a música batesse mais forte, e aí eu fiz isso na produção. O ‘briefing’ que recebemos para finalizar a música falava: essa música tem que ficar com uma vibe mais boteco… Então foi isso, tentar criar esse clima com a produção”.
“Todo mundo deu muita atenção para a latinidade, até porque é algo que a Marina gosta muito também. Acho que isso é muito dela, e nosso trabalho como produtores é estar ali para ajudar o artista a se expressar da melhor maneira possível, para colaborar para que o artista seja o máximo dele mesmo, na maior potência. Temos que potencializar a identidade do artista, mesmo que, como músicos, a nossa identidade apareça também na forma de criar o som. Acho que o álbum representa o Brasil muito bem, e sinto muita gratidão por ter participado e contribuído com o meu jeito de fazer música. É a música que eu gosto de fazer, e a música que a Marina também gosta de fazer... Fico feliz por ter ajudado uma artista a deixar o som dela mais foda ainda, por poder fazer parte desse projeto, onde todo mundo está sendo a sua melhor versão”.
A produção musical é muitas vezes vista como um processo técnico, mas ela ultrapassa esse conceito. Entre o verão soturno e as pistas de dança, Coisas Naturais como um todo pede sensibilidade, e isso só pode ser enxergado - e ouvido - com o auxílio das sessões de mixagem, masterização, dos instrumentos, e do cuidado de uma equipe que coloca em prioridade “ser a sua melhor versão”. Por se tratar de um disco sensorial, que faz parecer que cada faixa foi feita para tocar numa parte diferente do corpo, o resultado final transpassa bem a atenção descrita no processo de criação, e leva quem ouve direto àquela noite de verão.
Se a Curió tivesse que eleger uma favorita (o que seria uma tarefa difícil) entre as produções de Gabriel, “Lua Cheia” levaria o troféu. A música convida a se levar no arrochinha, sem pressa. “Doçura”, que vem logo em seguida também na tracklist, traz a calmaria depois da tempestade. “Numa Ilha” é quem dá o tom para todo o álbum, despertando exatamente os sentimentos que a produção se propôs a evocar, enquanto “Combo da Sorte” é quase autoexplicativa: “como entrar no mar”.
O terceiro álbum de Marina Sena é, sem medo de redundância, natural. Não é todo acústico, gravado num microfone de celular para enviar pelo Whatsapp, ou tem uma foto espontânea na capa - até porque ele não precisa ser ou ter. É referência dentro de si mesma, “coisa de novela” no universo cinematográfico de Marina, e tudo isso é sublinhado ainda mais pela evidente atenção dada ao seu processo criativo.
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