Mayhem On The Beach
- Revista Curió
- 7 de mai.
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Atualizado: 8 de mai.
Quando o caos encontra entrega e paixão nas areias de Copacabana.
Por: Erick Martins e Pedro Sena
Última atualização: 07/05/2025

Com paisagens icônicas e um turismo receptivo, o Rio de Janeiro é terreno fértil para eventos grandiosos. Do Rock in Rio ao Réveillon, a cidade já foi palco de performances inesquecíveis e coleciona números impressionantes — como Rod Stewart, que em 1994 atraiu 3,5 milhões de pessoas para Copacabana.
Agora, com o Todo Mundo no Rio — nome escolhido por Eduardo Paes e pela Prefeitura para o festival que promete virar tradição — a cidade carioca ganha mais um grande evento em seu calendário. Sob a promessa de conectar nomes da música mundial à multidões de brasileiros e estrangeiros na praia de Copacabana, um dos principais cartões postais da cidade, o evento cedeu palco ao "Mayhem on the Beach", um espetáculo que demonstra a experiência e diversidade artística de Lady Gaga em narrativas pessoais. Em 2024, primeira edição do festival, o Todo Mundo no Rio fez história ao reunir 1,6 milhões de pessoas para ver de perto o último show da turnê comemorativa de Madonna. A rainha do pop escolheu a praia de Copacabana para encerrar sua 12ª turnê, tematizada em celebração aos seus 40 anos de carreira. O concerto marcou um retorno aguardado da artista ao Brasil e somou-se à proposta de uma setlist apenas de grandes hits para atrair o interesse de diferentes audiências e impactar a economia da cidade — R$293,4 milhões em gastos do público, um retorno 30 vezes maior que o investimento feito pela Prefeitura, segundo dados divulgados em relatório público.
Desde que Madonna pisou nas areias cariocas, o nome de Lady Gaga passou a circular como uma aposta quente para a segunda edição. Mas a confirmação só veio em janeiro de 2025, provocando alvoroço imediato. A edição 2025 do evento não apenas superou em público a estreia com Madonna, como também quebrou recordes econômicos.
Segundo estudo da Riotur em parceria com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, houve um aumento de 27,5% na movimentação financeira em comparação ao ano anterior — e tudo isso em um mês que, até então, era considerado de baixa temporada. Hotéis lotados, bares cheios, comércio aquecido e uma cidade pulsando dias antes da chegada da estrela. Para completar, o Rio conquistou visibilidade global com uma avalanche de mídia espontânea avaliada em mais de US$ 1 bilhão.
A presença de Gaga no Brasil era um sonho antigo dos fãs — e também uma cicatriz aberta. Desde 2017, a frase “Ela não vem mais” virou piada recorrente (e um trauma coletivo). Naquele ano, Gaga cancelou sua aguardada apresentação no Rock in Rio por motivos de saúde, deixando para trás milhares de Little Monsters acampados na porta do hotel e uma mensagem que viralizou: “Brazil, I’m devastated.”
O Pré-show e a paisagem da cidade
Durante toda a semana que antecedeu o Todo Mundo no Rio, a cidade dava indícios do que estava por vir nas areias de Copacabana. A cada quarteirão da Avenida Atlântica era possível encontrar dezenas de ambulantes vendendo produtos inspirados na Mother Monster, fãs em vigília cantando hits em uníssono em frente Copacabana Palace e diversos cartazes e painéis publicitários divulgando o evento.

De acordo com a prefeitura do Rio de Janeiro, dos dias 1 a 3 de maio, mais de 500 mil turistas desembarcaram na cidade, levando em consideração apenas os dados oficiais da Rodoviária Novo Rio e Aeroporto Internacional Tom Jobim, mais que o dobro da estimativa inicial (240 mil). Era quase palpável a urgência coletiva - tanto por parte dos locais quanto dos turistas - em função do ineditismo do evento.
Quem passou pela orla durante esses dias, conseguiu testemunhar a construção da estrutura de 1260 m² em formato de castelo que serviu como palco do show, juntamente das 16 torres de som dispostas por cerca de 1km de faixa de areia e da passarela que ligou o Copacabana Palace ao palco.
03/05: Infraestrutura e logística do evento
Logo pela manhã do sábado o trânsito de Copacabana já estava completamente impedido, com todas as 18 vias de acesso à praia bloqueadas pela polícia militar, que estava garantido a segurança do evento através de revistas. Era possível perceber a peregrinação de fãs, ambulantes e colaboradores para o local do evento desde cedo, com aumento gradativo do fluxo de acessos ao decorrer do dia, ao ponto de causar filas de até 1h de espera.
O trajeto até o palco contava com pontos de apoio médico, torres de observação policial e câmeras de segurança. Haviam também postos de hidratação coordenados pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro em dois pontos estratégicos da avenida.
Apesar das precauções tomadas pela organização, o público do evento extrapolou os 1,6 milhões estimados e as medidas adotadas não foram suficientes para garantir um evento tranquilo a todos os espectadores. Houve relatos de brigas, acidentes por conta da superlotação e furtos.
A dispersão do evento foi também alvo de críticas, já que o escoamento pelas ruas de acesso não foi suficiente para suprir o volume de pessoas, o que acarretou em pânico. O acesso às estações de metrô próximas foi comprometido, o que ocasionou em mais de 4 horas de espera para dispersão.
Antes do Caos, Pabllo Vittar foi a anfitriã responsável pelo ato de abertura
“O viado mais sortudo do mundo”, como se intitulou a própria artista em entrevistas, subiu ao palco do Todo Mundo no Rio pela segunda vez. No ano anterior, Pabllo foi participação especial no show de Madonna, em que realizaram juntas um momento de homenagem ao Brasil durante a canção “Music”. Dessa vez ao comando de um DJ set, a drag queen maranhense apresentou ao público de mais de 2 milhões de pessoas seu projeto Club Vittar, preparando o público para a chegada da Mother Monster.
A energia e presença de palco de Pabllo mais do que compensaram a ausência de técnica na discotecagem. Diferentemente de Diplo, responsável pelo comando da pista na edição passada, a DJ trouxe um set que ecoou entre as milhares de vozes e pareceu agradar a maioria dos presentes. Seu set misturou hits como Sua Cara, Double Team (de Anitta) e sua parceria com Gaga, Fun Tonight, além de remixes de outras faixas e batidas eletrônicas. Além disso, a artista também dedicou um momento de celebração ao Rock Doido e a cultura paraense com o remix viral “COPO DE VENENO” de DJ Meury, que comemorou a visibilidade em suas redes sociais.
O espetáculo e a era Mayhem
A performance apresentada pela artista está intimamente ligada ao seu mais recente disco, Mayhem, e já havia sido vista pelo público no Coachella deste ano, nos Estados Unidos, e na Cidade do México.
O espetáculo foi estruturado em formato teatral, sendo composto por 5 atos:
Ato I: Of Velvet and Vice (De Veludo e Vício)
Ato II: And She Fell Into a Gothic Dream (E Ela Caiu em um Sonho Gótico)
Ato III: The Beautiful Nightmare That Knows Her Name (O Belo Pesadelo Que Sabe o Nome Dela)
Ato IV: To Wake Her Is to Lose Her (Despertá-la É Perdê-la)
Ato Final: Eternal Aria of the Monster Heart (Ária Eterna do Coração Monstruoso)
O formato do show foi motivo de elogios por parte do público e da crítica, principalmente associados à complexidade e originalidade da narrativa.
Os atos mesclavam músicas presentes no Mayhem com hits populares da carreira da artista, dentre eles vale citar:
Judas
Poker Face
Paparazzi
Alejandro
Born This Way
Bad Romance
Em entrevista ao Good Morning América, do canal americano ABC News, a artista explica que ao longo da carreira viveu diferentes facetas artísticas e quis imprimir as inconstâncias caóticas da vida neste disco. Ela ainda reforça que para além de conflituoso, o caos pode ser algo a ser festejado, e é exatamente essa celebração que presenciamos ao assistir seu show em Copacabana.
O conflito dicotômico - e quase barroco - entre a Gaga do passado (que vela coerência em trabalhos lineares como Joanne e Artpop) e a Gaga que abraça as próprias inconstâncias artísticas e se permite materializar o caos em um álbum diverso em estética e sonoridade. Em performances como a de Poker Face e Disease, a cantora eleva esse conceito ao extremo, montando uma batalha em um tabuleiro de xadrez e afogando a si mesma na areia.
Vale ressaltar que, apesar da diversidade sonora e temática do Mayhem, de forma alguma isso impactou a coerência da apresentação - já que todos os atos foram concisos entre si - e a mescla de músicas antigas com os lançamentos recentes foi extremamente bem estruturada pela equipe da cantora.
Outro ponto alto do espetáculo foram os figurinos arrebatadores, que, a cada troca, deixavam a plateia estonteada diante do rigor estético da artista. Tivemos Gaga abrindo o show com Bloody Mary, trajando um vestido gigante que se revelava uma gaiola com dançarinos; em Abracadabra, surgiu com um figurino adaptado em azul e verde, remetendo à nossa bandeira — desenhado com a ajuda das estilistas (e Drag Queens) brasileiras Shandra, Poseidon e Joselito The Clown; e, em Paparazzi, vestiu uma armadura para cantar apoiada em muletas metálicas, com uma capa branca esvoaçante.

Gol do Brasil
Não apenas atenta e cuidadosa à complexidade técnica e artística de entrega do espetáculo, Gaga dedicou parte de seu tempo em palco para se declarar aos fãs brasileiros, justificar sua ausência e reforçar seu amor pelo país.
Além de repetir “Brasil”, por vezes aleatoriamente — como no trecho “like Brazil said” em Blood Mary — a Mother Monster convidou ao palco para apoiá-la na tradução de uma carta Nicolas Rafael Garcia, um fã que, segundo a Metrópoles, teria sido escolhido dentre funcionários do Copacabana Palace. Sob a bandeira do país, estendida em uma espécie de sacada em um ponto alto do set, Gaga falou sobre seu amor à cultura brasileira, comentou seu cancelamento no Rock in Rio em 2017 e agradeceu aos fãs brasileiros pelo carinho e suporte incondicional ao longo de sua carreira.
Sob tradução, ela disse:
“Os brasileiros são a razão pela qual eu posso brilhar. Hoje, vocês estão brilhando como o sol e a lua sobre os oceanos bem na praia de Copacabana.
Vocês esperaram mais de dez anos por mim. Talvez estejam perguntando por que demorei tanto para voltar. A verdade é que estava me curando, ficando mais forte. Quando eu me curo, algo poderoso acontece, vocês estavam lá. Vocês falaram para eu voltar quando estivesse pronta. Brasil, estou pronta.”
Crédito: Trecho da Carta Lida por Lady Gaga
Fez história!!