No caminho da arte: Efe Godoy é andarilha e sua trajetória transpassa as mais diversas formas de expressão artística
- Thiago Pimenta
- 1 de jul.
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A mineira fala sobre seu percurso artístico e seus sentimentos em relação à vida como multiartista. “Eu caminho muito, eu ando, eu sou andarilha. As pessoas me vêem caminhando, sabe? E eu acho que isso tem a ver com a minha trajetória de carreira”
Por: Anna Millard e Isis França
Última Atualização: 01/07/2025

Efe Godoy, nascida em Sete Lagoas, Minas Gerais, em 1988, emerge na cena artística brasileira como uma figura singular e multifacetada. Artista visual, poeta e performer, sua identidade é um componente central de sua obra. Sua prática artística é notabilizada por um hibridismo radical, que transcende o temático para se manifestar na própria escolha de linguagens. Ela transita com notável fluidez entre o desenho, a pintura, o vídeo, a performance e a música, demonstrando uma recusa em se fixar em uma única categoria. Atualmente radicada em Belo Horizonte, cidade que se tornou seu campo de trabalho e inspiração, sua trajetória acadêmica teve um marco fundamental em 2011, com seu ingresso na prestigiosa Escola Guignard, vinculada à Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). A instituição, conhecida por ser um celeiro de talentos que marcaram a arte mineira e brasileira, foi o ambiente onde Godoy começou a expandir seu repertório para além do desenho, explorando as vastas possibilidades da arte contemporânea. Antes de se dedicar integralmente às artes visuais, foi vocalista da banda de rock psicodélico “Absinto Muito”, uma experiência que evidencia sua longa relação com a performance e a palavra cantada. A obra e a vida de Efe Godoy são, em essência, indissociáveis, formando um projeto coerente de autoexpressão e fabulação. A fusão entre sua persona pública — marcada pelos cabelos cor-de-rosa e um estilo que evoca seus próprios desenhos — e sua produção artística não constitui uma coincidência, mas uma estratégia deliberada. A artista busca, ativamente, "estreitar os espaços íntimos entre vida e arte".
Em entrevista à Curió, Efe Godoy mostrou que sua caminhada como artista é longa, e suas obras são um conjunto de suas inspirações e vivências. Com elementos do hibridismo, relação entre a fauna, a flora, o ser humano e o sentimento, Efe constrói peças e performances originais, intrigantes e cheias de personalidade. Ela se reconhece como artista há mais de dez anos e conta que sempre teve o apoio da família para seguir o seu sonho, inclusive antes de se afirmar como artista.
Efe explora profundamente sua conexão com a natureza e com sua própria história. Na infância sempre teve incentivo dos pais para desenhar, e convivia com muitos animais que seu pai, dono do canil GODOG, cuidava no quintal da casa. Quando mudou-se para a casa da avó tinha contato com um jardim imenso e diverso. Perguntamos a ela sobre sua relação com as suas obras, de onde viriam essas criaturas e como ela se sente em relação a elas. Ela diz que o artista produz imagem e é formado pelas imagens que o cercam, e sempre teve consigo esse ser pertencente à natureza, e começou a experimentar misturar as imagens que a cercavam. “As minhas criaturas estavam falando de transformação antes mesmo de eu me transformar”.
Quando questionamos sobre suas inspirações, Efe nos respondeu: “Eu me inspiro muito nos sonhos.” E contou sobre sua última experiência utilizando o subconsciente como fonte de ideias. “Eu tive um sonho com um gatinho muito fofinho, só que ele estava todo capengo, com o pelo despenteado, estava amuado [...] ele estava seco, e eu ouvi uma voz dizendo ‘dá água para ele’ e eu peguei uma garrafa e molhei ele, e ele foi se deliciando com aquela água. Eu acordei e fui desenhar um gato [...] Acho que o que me inspira hoje em dia são novas pesquisas dentro da música, da arte. E também dentro desse espectro que é meio misterioso”. A artista inclusive nos disse que sonha em trabalhar com Adriana Aranha, outra artista trans muito ativa no audiovisual brasileiro. Além disso, Efe admitiu contemplar a ideia de um dia trabalhar com Wes Anderson, dono de uma das assinaturas mais icônicas do cinema hollywoodiano. “Estética, né?”, ela acrescenta.
Efe flerta com praticamente todas as formas de arte e revelou um desejo muito grande de continuar trabalhando e explorando ainda mais o audiovisual. “O que mais está me interessando hoje em dia é o audiovisual mesmo, sabe? Eu estava fazendo um filme que vai ficar muito lindo. É um filme híbrido que mistura documentário com ficção”. Diretora de dois curtas, “Meu animal favorito já foi um cavalo” e “Habitat Natural”, Efe diz que, inicialmente, ela não faria parte do elenco deste projeto. “Eu fui convidada para fazer uma ação. Aí acabou que eu fiz mais de uma diária, porque eu virei amiga da Djahi (protagonista) no filme. Fui conquistando o meu espaço, né? Conquistei o coração do diretor, e aí ganhei mais diárias”, ela conta com seu bom humor característico. “Eu estou muito ansiosa para ver esse trabalho. É muito gostoso você estar num set com pessoas que você gosta, sabe? Construir isso coletivamente.”
Recentemente, através de um convite de um amigo, Efe assumiu um novo papel na sua trajetória artística, invertendo o espaço que sempre esteve para ser curadora em uma exposição. “Meu grande amigo, Shai Lamas, que transicionou junto comigo. Eu tenho um carinho muito especial por ele. E a exposição dele está linda, sabe? Eu tinha que fazer parte disso. Eu adorei escrever um texto curatorial para ele. Adorei ajudar. [...] Eu acho que eu não sou curadora mesmo. Eu fui uma ajudante. [...] Eu acho que eu fui mais uma conselheira do que uma curadora, sabe?”
Em abril deste ano, Efe participou da Expo Osaka, no Japão. E nos contou sobre a experiência internacional, que embora não tenha sido a primeira, foi muito importante para a sua carreira. “Foi um convite também de uma curadora do Rio, que é uma artista também, a Bia Lessa. Eu recebi um e-mail escrito assim: ‘você foi convidada para uma exposição no Japão. Você tem disponibilidade de trazer essa obra sua pra gente?’ e ela já tinha colocado um pdf com a expografia, com como ia ficar a minha obra. Eu respondi no e-mail assim: ‘Isso é verdade mesmo? É Japão mesmo? Ou é uma cidade que se chama Japão no Brasil?’. Eu juro, porque eu não acreditei. Eu falei assim: é minha chance!”. E após a venda de uma de suas obras para ter dinheiro para sua viagem, Efe foi em busca de levar a sua arte para mais um continente. “Fui eu, sozinha, cheguei lá. Louca, me deram uma ficha cheia de negócio desenhado, e eu falei assim: ‘meu Deus, o que eu vou fazer?’ Peguei o tradutor de imagens, cheguei tranquila, o policial federal falou ‘kawaii’ para mim, e eu estava dentro, eu estava no país. Foi incrível. Eu conheci a curadora pessoalmente, ela é uma fofa. O Pavilhão Brasil está sendo muito criticado por arquitetos, porque todos os outros pavilhões são muito investidos, e o nosso é um galpão. Mas assim, não é sobre o que está fora, meu bem, é sobre o que está dentro. E aí as pessoas não estão entendendo ainda. Mas aos poucos eu acho que vão, sabe? Quem é de verdade sabe que é de mentira. E a gente é muito de verdade.
Atingindo o prestígio internacional, Efe confirmou seu talento e força de vontade para fazer sua arte girar o mundo. “Depois que eu fui para o Japão, eu pensei assim, eu posso ir para qualquer lugar do mundo!”, ela acrescentou. Além do reconhecimento, a artista também tomou um espaço de bastante importância para qualquer artista ou pessoa pública, o de influência, e ao ser questionada sobre a sensação de assumir esse papel, Efe respondeu: “Eu estou adorando esse posto de madrinha, sabe? Estou ficando mais velha mesmo. É interessante pensar nisso, porque eu não estou mais conseguindo entrar em editais. Eu vou fazer 37 anos, eu tenho 13 anos de carreira. E, assim, ok, você atinge um nível que você já passou por alguns lugares, algumas instituições. Você já passou por residências e tal, mas você não consegue mais acessar alguns espaços, porque você já fez muita coisa. Eu sou uma pessoa muito proativa, né? Então, eu gosto de estar em todos os lugares mesmo. Eu acho que é por isso que eu virei uma pessoa na rede social, de botar a cara, de mostrar tudo que eu estou fazendo, todos os processos.” - Efe ainda acrescenta que acredita em seu destino - “Eu estive nos momentos certos ali para conseguir esse espaço que eu consegui. Hoje em dia, o que eu tenho trabalhado é contundente. Eu tenho feito coisas que eu sou convidada a fazer. E que bom que isso está acontecendo. Mas eu sei que foi uma luta também. Foi um caminhozinho que eu fui percorrendo até chegar nesse lugar. É muito chão. Eu gosto de caminhar, sabe? Eu caminho muito, eu ando, eu sou andarilha. As pessoas me veem caminhando pelo centro, e eu acho que isso tem a ver com a minha trajetória de carreira mesmo. Nesse processo de ficar caminhando, rodando por aí, o seu rostinho é conhecido. A sua voz vai ser conhecida. E as pessoas vão te convidar para coisas. E acho que é literalmente isso, sabe? Caminhar. E ter paciência.”
Em relação à cena atual, a artista comentou que gostaria de mais união entre os artistas da cena contemporânea. “Eu acho que a gente precisa se unir mais, sabe? Ter mais ações de exposições coletivas. Nesses editais, a gente não manda mais exposição coletiva. Isso é pesadíssimo. Isso mostra que a gente não está unido. [...] o que eu mais gostava na universidade era de participar das aulas de ateliês coletivos. Onde você via o que cada um estava produzindo. Isso inspira. É uma contaminação gostosa, né? E eu acho que todo mundo precisa de coletivos. Mais coletivos.”
Sobre seus planos futuros, Efe não deixa a desejar. Ela nos disse que tem muitos trabalhos e projetos interessantes em andamento. “A minha próxima exposição é um convite do Museu de Arte da Pampulha.” – ela diz. E ainda compartilhou detalhes que prometem uma exposição super interessante, instigante e autêntica, assim como todas as obras e a própria vida da multiartista. Efe Godoy é o passado, o presente e o futuro de um cenário artístico de muita personalidade e sucesso em âmbito regional, nacional e internacional. Vale a pena acompanhar os seus próximos passos.
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