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O Dandismo e seus desdobramentos no Brasil

  • Foto do escritor: Revista Curió
    Revista Curió
  • 13 de mai.
  • 6 min de leitura

Atualizado: 15 de mai.

O Met Gala foi palco da exposição “Superfine: Tailoring Black Style” e apresenta o dandismo como uma ferramenta para reimaginar o eu em outro contexto


Por: Bruna Gomes, Laura Portugal e Tatá Dutra

Última Atualização: 13/05/2025


Doechii para o Met Gala 2025
Doechii para o Met Gala 2025

Repercutindo para muito além do tapete vermelho, o Met Gala 2025, realizado na primeira segunda-feira de maio,  trouxe ao centro das discussões questões como resistência, história e performatividade negra. Com o tema Superfine: Tailoring Black Style, o evento partiu da pesquisa da acadêmica nova-iorquina Monica L. Miller, cujos anos de dedicação à pesquisa sobre o Dandismo Negro resultaram no livro Slaves to Fashion. Considerado pela autora um gesto de insurgência estética e afirmação identitária, o dandismo se apresenta como um modo de contrapor à imposição de códigos visuais e, ao mesmo tempo, tornar possíveis novas dinâmicas de subjetividade. Em um contexto marcado pelo controle sobre corpos negros, a moda se torna um campo de disputa simbólica e o vestir se transforma em um ato político que reconfigura narrativas sobre pertencimento e poder. 


Assim, neste ano, a emblemática exposição resgata a imagem do dândi – figura inicialmente associada à elite branca europeia, mas historicamente apropriada pelas comunidades negras. Ao explorar as dimensões do dandismo enquanto espaço marcado por um referencial de branquitude e por uma delimitada ideia de masculinidade, a mostra evidencia como essa estética foi reorganizada a partir de outros códigos. Em movimentos de deslocamento em vez de assimilação, o que se constrói são maneiras de romper com as imagens fixas que o imaginário colonial produziu sobre o corpo negro. 


Especialmente neste ano, o Met Gala se configurou como um espaço onde questões de identidade e hierarquia se confrontam diretamente. Mais do que um desfile de alta-costura, o evento se tornou palco para a afirmação da moda negra como linguagem política, capaz de desafiar e questionar estruturas de poder visual e cultural. Entretanto, ao colocar o dandismo negro no centro do debate, o evento se viu diante de um desafio delicado: reconhecer a força crítica dessas estéticas sem reduzir seu caráter de resistência, em um contexto onde a moda de alto mercado não foge do risco de diluí-las em uma performance vazia.


Esse risco de esvaziamento, no entanto, também escancara a potência do dandismo negro enquanto contranarrativa visual que persiste, mesmo quando traduzida para as lógicas do mercado. Ainda que alguns trajes vistos no tapete vermelho evoquem a opulência aristocrática que tradicionalmente define o dândi, há, em muitos deles, uma evidente busca por recuperar a carga simbólica e ancestral dessa figura. Quando artistas como Colman Domingo, Pharrell Williams ou A$AP Rocky desfilam em ternos meticulosamente construídos, o fazem não apenas em nome da sofisticação, mas como gesto deliberado de afirmação e historicidade negra. Cada detalhe – dos tecidos aos cortes, dos acessórios à postura – remete a uma linhagem que transforma o vestir em enunciação.


No Brasil, essa enunciação também encontrou múltiplas formas de expressão, atravessando épocas e contextos sociais. Ainda no século XIX, figuras como Hemetério dos Santos e João da Cruz e Sousa já experimentavam a moda como instrumento de distinção e subversão – usando a elegância para reconfigurar os sentidos do que era visto como um “corpo negro respeitável” num país escravocrata. No início do século XX, João do Rio personificava o dândi tropical, cruzando gênero, raça e literatura ao fazer do próprio corpo um manifesto ambulante.

Com o tempo, essa lógica do refinamento insurgente se reinventa nas bordas das cidades. Nas estéticas do charme carioca, do funk ostentação, do pagode e do rap, o vestir segue sendo um marcador de presença, autoestima e identificação. O uso de roupas de grife, acessórios dourados e objetos caros pelo povo da periferia é descredibilizado pelo olhar branco e elitista, mas é o que opera como uma forma de reivindicar valor simbólico em um cenário de exclusão material. O dândi da quebrada é também insurgente: desafia a miséria com brilho, disputa atenção com estilo e refaz narrativas com performance.


O charme carioca, o pagode ostentação paulista e os fluxos de quebrada operam como verdadeiros laboratórios de estilo, onde a moda se torna um campo de disputa simbólica. Nas pistas de dança de Madureira ou nos bailes da zona leste de São Paulo, o cuidado com o vestir – camisas alinhadas, tênis brancos impecáveis, correntes, bonés e bermudas largas – não é mero adorno, mas resistência concreta. Trata-se de ocupar o espaço com brilho, projetar autoestima em meio à escassez, construir poder visual em um mundo que insiste em negar a humanidade negra.


Essas práticas de vestir, no entanto, são sistematicamente criminalizadas. A camisa Lacoste usada por um jovem negro no Capão Redondo que pode ser vista como “ostentação indevida”, em um editorial de uma revista de moda renomada é celebrada como tendência. É nesse abismo de leitura que se evidencia o racismo estrutural do olhar: a estética negra periférica só é legitimada quando atravessa a chancela da alta-costura – e mesmo assim, frequentemente esvaziada de seu contexto de origem.


Essa tradição segue viva e em mutação na moda contemporânea brasileira. Estilistas como Jubba Sam (Dod Alfaiataria) e Patrick Fortuna (Ateliê Mão de Mãe) atualizam a alfaiataria negra a partir de signos afro diaspóricos, criando peças que aliam técnica refinada com símbolos de resistência cultural. Roupas que carregam axé, ancestralidade e reexistência. Nesses processos, o dandismo deixa de ser mera estética para se tornar linguagem crítica – um modo de dizer o indizível com gola alta, blazer bem cortado e olhar erguido.


A equipe da Curió convidou Tatá Dutra, estudante de moda da FASM e assistente de estilo na Bo.Bô para comentar sobre alguns looks usados durante o evento:


Rihanna foi a última a chegar ao Met Gala e fez uma aparição inesquecível: vestindo um look sob medida de Marc Jacobs, anunciou sua terceira gravidez. A produção explorava a alfaiataria de forma reinventada, com uma jaqueta cropped preta de lã, espartilho sobreposto, saia de risca de giz com cauda e uma gravata borboleta de poá. O visual foi complementado por um chapéu criado em colaboração com o designer Stephen Jones. A composição destacava a gravidez como elemento de força e protagonismo, contrapondo a estrutura tradicional da roupa masculina ao corpo grávido de uma mulher, em um gesto de afirmação estética e simbólica. 


Teyana Taylor também vestiu uma criação sob medida de Marc Jacobs, apostando em uma leitura ousada da alfaiataria. Com look vermelho de ombros largos e estruturados, a artista chamou atenção ao carregar um cajado e usar uma durag que se transformava em capa, além de um chapéu marcante. A escolha da cor — associada à aristocracia europeia — reforçava uma imagem performática de nobreza. No contexto do dandismo negro, o vermelho carrega significados de poder, distinção e orgulho cultural.


Damon Idris apostou na teatralidade ao surgir com um macacão de Fórmula 1 customizado pela Tommy Hilfiger, acompanhado de um capacete cravejado com 20 mil cristais Swarovski. O visual promovia o novo filme “Fórmula 1”, protagonizado por Idris ao lado de Brad Pitt. Em uma virada no tapete, o macacão foi desfeito, revelando um conjunto vermelho de alfaiataria com detalhes em xadrez e um broche verde no peito — também assinado por Tommy Hilfiger, marca da qual é embaixador.


Co-host da noite, A$AP Rocky apostou em um terno preto com casaco oversized, desenvolvido por ele em parceria com sua agência criativa, Awge. Nos acessórios, o rapper usou joias da Bvlgari e um guarda-chuva da marca Briony Raymond. O item, no contexto do dandismo negro, carrega forte valor simbólico, sendo um instrumento de afirmação estética, cultural e política.


Lewis Hamilton desfilou com um look marfim sob medida assinado por Wales Bonner, com aplicações de pérolas e conchas de búzios, além de joias de diamante da Briony Raymond. O stylist Eric McNeal explicou os significados por trás da composição: “A cor marfim denota pureza e status; búzios passam de mão em mão, a faixa majestosa torna-se xamânica. Contas ancestrais e pérolas de água doce brilham com diamantes cor de granada… amuletos eternos. Eternamente frescos.” Até o século XX, todos os elementos do traje eram considerados moedas de troca e símbolos de riqueza e poder.


O que se viu no Met Gala 2025 ressoou não como fetiche pelo “exótico”, mas como convite, ainda que tensionado, à escuta e à visibilidade de uma tradição que nunca foi silenciada, apenas negligenciada. A elegância preta não é nova: ela sempre esteve lá, nos becos e salões, nas vielas e passarelas. E cada vez mais, ela exige ser reconhecida em sua complexidade, em sua política e em sua beleza radical.


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