O que aconteceu no Festival de Cannes 2025?
- Revista Curió
- 29 de mai.
- 7 min de leitura
Mais uma edição de Cannes chega; dessa vez, o gostinho da ascensão do cinema brasileiro dentro e fora do país dá um tempero especial
Por: João Henrique e Pedro Fraga
Última atualização: 29/05

Entre os dias 13 e 24 de maio de 2025, os holofotes se voltaram para o mundo da luz, da câmera e da ação com a 78° edição do Festival de Cannes. O evento, que ocorre desde 1946 por iniciativa do até então ministro da Educação e Belas Artes da França, Jean Zay, hoje já é reconhecido como a principal vitrine do universo cinematográfico. Conhecido por seus longos aplausos, o Festival tem como principal objetivo apresentar e avaliar os principais filmes que irão assumir as telas dos cinemas mundiais ao longo do ano. Também é o momento para entender quais aspectos políticos serão discutidos pela indústria na temporada.
Diferentemente do Oscar, Cannes propõe, para além de um evento competitivo, promover debates, sessões, paineis de discussão, aulas e festas para que os profissionais da indústria do cinema se conheçam e troquem ideias sobre as suas experiências no meio. Mesmo falhando ao tentar ser uma celebração do cinema mundial, não conseguindo fugir das convenções da grande indústria europeia-americana, o Festival ainda se faz uma presença muito importante para os amantes da sétima arte de todo o globo.
Em um contexto marcado tanto por polêmicas quanto à guerra comercial instaurada por Donald Trump — que teve seus dedos alcançando a indústria cinematográfica por meio da ideia de taxar filmes estrangeiros — quanto pela ascensão da visibilidade brasileira após a conquista de “Ainda Estou Aqui” (2024) nas cerimônias do Globo de Ouro e do Oscar de 2025, esta edição de Cannes surge como uma oportunidade importante para se discutir os rumos do cinema.
O descontentamento de uma indústria e sua classe artística
No dia de inauguração, mesmo diante da usual recepção morna do filme de abertura – desta vez foi “Parir Un Jour”, uma dramédia romântica –, o destaque do evento ficou para a própria cerimônia. As discussões políticas e presenças de destaque tomaram os holofotes na Riviera Francesa.
Na cerimônia de abertura, Robert De Niro esteve presente para ser homenageado ao receber uma Palma de Ouro diretamente das mãos de Leonardo DiCaprio. Assim que recebeu a palavra, não poupou tempo para manifestar contra as políticas de Donald Trump: “A arte é a verdade. A arte abraça a diversidade. E é por isso que a arte é uma ameaça para os autocratas e os fascistas do mundo”, disse o ator e produtor estadunidense.
“O Presidente filisteu da América se nomeou chefe de uma das principais instituições culturais do país. Ele cortou o financiamento e apoio às artes, humanidades e educação. E agora anunciou uma tarifa de 100% sobre filmes feitos fora dos Estados Unidos. Você não pode colocar um preço na conectividade", completou o vencedor do Oscar de Melhor Ator de 1981.
Além do tensionamento do discurso do atual presidente dos Estados Unidos, outro destaque foi a alteração nas regras quanto a investigados em casos de violência sexual. Neste ano, atestou-se o afastamento de artistas que estivessem em julgamentos envolvendo esse tipo de acusação com a justiça, algo inédito para Cannes.
Ao longo de todo o Festival, outros diferentes discursos políticos ganharam relevância em maior ou menor grau, de acordo também com os interesses vigentes da indústria. No próprio dia de abertura, tomou-se espaço para destacar 3 filmes tributos, dedicados ao momento vivenciado pela Ucrânia; por outro lado, a única mobilização ao protestar contra a situação de Gaza veio dos próprios artistas que decidiram assinar uma carta condenando o silêncio sobre o tema.
Os destaques cinematográficos de Cannes 2025
Contando com diversos nomes de destaque, a mais recente edição de Cannes foi prestigiada desde grandes blockbusters, como a mais nova sequência da franquia Missão Impossível, até o prestígio ao cinema francês e ao charme brasileiro.
Mesmo retornando de um fracasso nas bilheterias com Beau Tem Medo (2023), Ari Aster marcou presença pela primeira vez no Festival, em nova parceria com a produtora A24, ao apresentar Eddington (2025). O filme, que chamou a atenção pela maneira como repensa o período da pandemia de Covid-19, é um thriller de faroeste situado em maio de 2020 que apresenta os Estados Unidos como um país enfurecido e viciado em seitas e conspirações.
Wes Anderson, nome já conhecido por outras edições de Cannes, também marcou presença – dessa vez, por seu título The Phoenician Scheme (2025). Com 6,5 minutos de aplausos após sua exibição, a obra é descrita como um conto sombrio de espionagem que segue o relacionamento tenso entre pai e filha em uma empresa familiar.
Partindo para o cinema natal do festival, o destaque da vez foi Nouvelle Vague (2025), filme dirigido por Richard Linklater. A obra, que chamou a atenção por buscar homenagear o famoso diretor francês Jean-Luc Godard e o movimento que dá nome ao longa,acompanha a criação de Acossado (1960), primeira direção de Godard e um marco na história do cinema.
Já o maior destaque desta edição, seguindo a famosa métrica de aplausos do evento, foi o filme norueguês Sentimental Value (2025). Ao explorar a relação de um pai e suas duas filhas que são obrigados a confrontar a morte após a perda da mãe, o longa tomou os holofotes da mídia por ter recebido cerca de 19 minutos seguidos de palmas, número que chega próximo ao recorde de Labirinto do Fauno (2006), de Guillermo Del Toro, que recebeu cerca de incríveis 22 minutos ininterruptos de aclamação.
Por outro lado, a obra que saiu como a grande sensação de Cannes, ao ser premiada com a Palma de Ouro, foi o drama iraniano It Was Just An Accident (2025). O vencedor do principal prêmio do evento acompanha a história de um homem que sequestra um indivíduo, acreditando ser o torturador que o traumatizou na prisão; o problema é que todos estavam vendados durante o acontecimento, e a identidade verdadeira do seu alvo passa a ser questionada. O filme também recebeu bastante destaque pela situação do diretor, Jafar Panahi, que foi preso em 2023 por cerca de 40 dias por ter sido acusado de fazer propaganda contra o governo do Irã.

O Brasil em Cannes
O Agente Secreto (2025), dirigido e roteirizado pelo pernambucano Kleber Mendonça Filho, deu continuidade ao destaque brasileir no cinema mundial ao subir nos palcos de Cannes em 2025. O longa narra a trajetória de Marcelo, um professor especializado em tecnologia, em uma viagem de São Paulo para o Recife na esperança de fugir do seu passado conturbado – porém, não passou de uma tentativa. Interpretado pelo já reconhecido internacionalmente intérprete de filmes como Guerra Civil (2024), Tropa de Elite (2007) e Carandiru (2003), a obra rendeu o Prêmio de Melhor Ator do Festival para o baiano Wagner Moura.
Se a conquista marcou novamente o reconhecimento da atuação brasileira, dando continuidade a conquista de Fernanda Torres no Globo de Ouro 2025, o trabalho de direção do cinema nacional também ganhou destaque: Kleber Mendonça Filho foi agraciado com o Prêmio de Melhor Diretor do evento. Essa foi a segunda vez que o Festival concedeu a honraria ao país; o primeiro havia sido Glauber Rocha, por O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969).
A terceira participação de Kleber em Cannes na competição oficial representa para o território nacional o que a atriz Alice Carvalho, que no longa interpreta a professora universitária e parceira de Marcelo, Fátima, descreveu em entrevista à CNN como uma “declaração de amor ao Brasil”. Para pensar esse movimento das produções brasileiras para fora do país é necessário, primeiramente, considerar os fatores que vêm de dentro. Para isso, a Revista Curió conversou com o cineasta e professor da Universidade Federal de Ouro Preto, Adriano Medeiros.
Em entrevista, Adriano coloca que as lutas pela permanência das salas de cinema nacionais são a base para a conexão com o cenário internacional, a partir de um movimento constante de adequação ao contexto. "Antes da gente falar de externo, a gente tem que olhar para dentro do Brasil e perceber que, de 2020 para 2024, um período pequeno, tivemos uma reafirmação das salas de cinema. Voltamos não só com as que existiam, não só com as salas multiplex voltadas para dentro do shopping, mas um movimento muito interessante de salas de rua também, algo em extremo declínio antes da pandemia", afirma.
Porém, o reconhecimento da sétima arte brasileira sofre com um obstáculo histórico, definido pelo jornalista Nelson Rodrigues, nos preparativos para a Copa do Mundo de 1958, como "síndrome do vira-lata". Se trata de um pensamento eurocêntrico vindo do próprio Brasil que não enxerga os produtos nacionais como algo digno de ser exibido para estrangeiros. Muitas vezes, isso faz com que produções carregadas de reflexão encontrem dificuldades para se destacar no panorama mundial.
A expansão em coproduções começou a ser uma luz no fim do túnel desse histórico cenário de desvalorização das produções internas. "O último filme do Kleber é feito exatamente nesse movimento de entender que temos talentos interessantíssimos na técnica, na narrativa, na estética e no elenco, e outros países também tem. A gente pode formar equipes mistas", ressalta Adriano.
Gradualmente, o olhar mais atento às potencialidades das produções e coproduções originadas no território é uma importante ferramenta para reverter o pensamento vira-lata. O Agente Secreto se mostra como mais uma oportunidade de internacionalização. "Acho que a participação não só de Kleber, mas de Wagner e da comitiva brasileira como um todo, traz um olhar de respiro para um cinema que é nosso, que tem muito das nossas características enquanto elemento orgânico vivo, mas que já consegue respirar em outros territórios," destaca Adriano.

A Revista Curió também falou com o professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Cláudio Rodrigues Coração, para entender melhor a participação de Kleber Mendonça no festival. “O Festival de Cannes é um lugar de possibilidade de discursos políticos. Não é um mero festival de exibição de filmes. Ele passa um recado muito importante, para dizer de forma mais objetiva, o cinema brasileiro sempre esteve presente, só que de forma muito instável, nos festivais europeus e em Cannes também.”
Assim, festivais de cinema internacionais tornam-se espaços para a articulação de questões sociais vivenciadas no Brasil, estabelecendo laços entre nosso país e os outros. “Em O Som ao Redor (2012), foi a questão da deposição da Dilma; depois, em Aquarius (2016), mais ainda. Bacurau (2019) já entra no contexto do neonazismo brasileiro. Agora, O Agente Secreto, tematiza novamente o período ditatorial e seus reflexos, com uma recepção excelente.” afirma Cláudio, ao comentar sobre a filmografia de Kléber exposta em Cannes ao longo dos anos.
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