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O Trabalho que é fazer Cinema: um retrospecto das perspectivas laborais na sétima arte

  • Foto do escritor: Revista Curió
    Revista Curió
  • 1 de mai.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 2 de mai.

Neste Dia Mundial do Trabalhador, relembramos um romance glorioso e trágico entre Cinema e Classe digno de virar filme


Por: João Pedro Ribeiro e Pedro Fraga

Última atualização: 01/05/2025


Cena de A Saída dos operários da fábrica Lumière (1895), de Louis Lumière
Cena de A Saída dos operários da fábrica Lumière (1895), de Louis Lumière

Desde início, o trabalhador tem sido um objeto de análise do Cinema – literalmente. Em 1895, a sétima arte “nascia” com a primeira exibição pública de filmes, em Paris. Na ocasião, A Saída dos Operários da Fábrica Lumière entraria para a história como o primeiro curta-metragem a ser projetado. Tendo como temática exatamente o que seu título sugere, a vida laboral já era retratada diante do modo como cada pessoa se expressava ao sair do seu local de trabalho. 


Mesmo com singelos (mas revolucionários) 45 segundos de duração, a obra dos irmãos Lumière – os criadores do cinematógrafo – já trazia questões acerca da ótica em que seus criadores olhariam para os trabalhadores. Como aponta o curador do Cine Humberto Mauro, Júlio Cruz: “Não é filmada a fábrica, mas a saída dela. É filmado o extraordinário, não o ordinário”. Ainda, ele nos relembra que os primeiros “atores” da história, no fim das contas, não deixavam de ser funcionários de quem estava por trás da filmagem. 


A discussão ainda ganha outras proporções ao se pensar que os elaboradores optaram por gravar a cena mais de uma vez para alcançar o resultado esperado,  Desta forma, pode-se pensar na desconstrução de um idealismo presente no surgimento do cinema em retratar a realidade de forma crua logo na sua primeira obra. Ao mesmo tempo que essas reflexões reforçam a centralidade das relações de trabalho no mundo desde aquela época, elas são pontos de partida interessantes para  se pensar a transformação dessa temática ao longo da história.


Apenas 9 anos antes da façanha dos Lumière, as tensões de classe em Chicago entravam em colapso. No dia 1º de Maio de 1886, buscando uma carga horária de trabalho mais digna, operários enchiam as ruas em forma de protesto. A ocasião, que se estendeu por 3 dias, foi marcada por conflitos entre os manifestantes e as forças de segurança enviadas para conter o conflito. Essas movimentações populares se tornaram um ponto de referência para as lutas trabalhistas, a ponto de, no século seguinte, ser usada como referência para o Dia Mundial do Trabalhador.


As disputas trabalhistas cresciam, mas conquistas trabalhistas também: o surgimento da Organização Mundial do Trabalho em 1919, da Fair Labor Standards Act nos Estados Unidos (FSLA) 1938, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) no Brasil em 1943 são alguns exemplos. Em países como China, Vietnã e Rússia, revoluções pautadas pelo proletariado chegaram ao poder. Por sua vez, o Cinema acompanha esse fervor de perto, propondo-se a retratar mais detalhadamente o cotidiano e as lutas da classe trabalhadora por meio de diferentes painéis.


Na Alemanha, em 1926, Metropolis surgiu abordando a luta de classes e as contradições de um sistema criado para desfavorecer os trabalhadores. Do outro lado do mundo, The Goddess (1934) já propunha uma diferente ótica ao abordar o trabalho sexual pelo olhar de uma profissional para expor a inexistência da imobilidade social dentro da república chinesa da época. Pouco tempo mais tarde, nascia Tempos Modernos (1936), o clássico de Charles Chaplin que, apesar de denunciar a alienação do trabalho maquinário advindo da Revolução Industrial naquele contexto específico, ainda é visto como algo extremamente atual.   


Na segunda metade do século XX, depois de diversas crises, conflitos armados mundiais e o crescimento da automação na cadeia produtiva, as relações trabalhistas presenciaram impactos drásticos. Nesse contexto, o mundo todo presencia diversas movimentações massivas de pessoas buscando por melhores condições de vida: no Brasil, os filmes Gaijin – Os Caminhos da Liberdade (1980) e O Homem Que Virou Suco (1981) retratam esse processo através da realidade de protagonistas que, ainda que advindas de partes completamente diferente do globo (Japão e Nordeste, respectivamente), destacam de forma semelhante os abusos por trás da idealização da prosperidade.


As discussões sobre a classe crescem a ponto de alcançar perspectivas até mesmo sobre o próprio trabalhador por trás das filmagens. Esse panorama é abordado por Wu Wenguang em seus documentários Bumming in Beijing: The Last Dreamers (1990) e At Home in the World (1995). Respectivamente, eles acompanham a precarização dos cineastas dentro da China e as dificuldades na busca pelo prometido sonho dentro dos polos mundiais do cinema nos anos 90.     


A História presenciou a virada do milênio, e fatores como o declínio da representação sindical, a globalização e o advento da tecnologia digital trouxeram impactos irreversíveis na vida da população. Se, por um lado, a automatização do trabalho conquistou diversas melhorias, como a diminuição massiva do número de acidentes, por outro, criou a demanda por uma produtividade cada vez maior.


Entre avanços e retrocessos, mais uma vez, as relações trabalhistas haviam se transformado; e o Cinema, que as havia acompanhado desde seu nascimento, estaria lá novamente para registrar isso como ninguém. Nesse sentido, filmes como Desculpe Incomodar (2018) e Dias Perfeitos (2023) apresentam abordagens completamente diferentes dentro de culturas tão distintas  entre si, mas que se voltam igualmente para a atualidade dessa questão. Nos seus próprios termos, as obras discutem a dignidade, a exploração e o propósito do trabalho.


No Brasil, Júlio destaca o desenvolvimento de um Cinema que se volta para o trabalhador em diversas regiões, principalmente na década de 2010. Como exemplos, cita a atuação do cineasta Adirley Queirós no Distrito Federal, além da produtora Filmes de Plástico, que tem se dedicado a representar o funcionariado mineiro na telona desde a sua fundação em 2009, na cidade de Contagem.


Sem dúvidas, um dos maiores expoentes desse movimento é o longa-metragem Que Horas Ela Volta? (2015), dirigido por Anna Muylaert. Se os preconceitos da divisão social podem ser encontrados no mundo todo, a trama protagonizada por Regina Casé cria conexões com situações trágicas – mas extremamente comuns – que foram e são experienciadas por milhares de brasileiros através da precariedade do trabalho doméstico, da discriminação e dos frutos da migração do nosso país.


A instituição do Dia Mundial do Trabalhador perpassa pela demarcação da necessidade histórica de uma classe pela busca por melhores condições de vida. Demarcados por seu próprio tempo e espaço, os filmes surgem como fragmentos que nos possibilitam identificar construções e desconstruções ao longo dos anos que são essenciais para dar continuidade a uma luta. Ao habitar essa complexa conjuntura, o Cinema está lado a lado com os ideais dessa celebração ao nunca deixar com que as pessoas esqueçam a realidade que foi e está sendo vivida. 


Essa é uma oportunidade para continuar a reflexão e aprofundar a compreensão da representação do trabalhador, permitindo uma identificação mais profunda com suas experiências e desafios. E porque não aproveitar esta data para fazer justamente isso de frente para a telona?


Entre os dias 29 de abril e 18 de maio, o Cine Humberto Mauro exibe a mostra inédita “Os Trabalhadores vão ao Cinema”, destacando mais de um século de produções focadas na temática. No site da Fundação Clóvis Salgado, consta que “são mais de 40 filmes de diversos períodos, estilos e abordagens, entre curtas e longas-metragens”.


Curador da Mostra, Júlio Cruz destaca que a programação busca contemplar tamanhos recortes através de 6 ciclos principais: Trabalho Imigrante, Trabalho Sexual, Trabalho Doméstico, Trabalho Sindical, Trabalho em Crise e Trabalho Contemporâneo. Essa diversidade retrata a necessidade de se encarar as diversas facetas da temática para que seja possível pensar na sua coletividade e em possíveis caminhos mais conscientes.


A entrada é gratuita mediante retirada de ingresso meia hora antes de cada sessão na bilheteria do cinema. Além de mais detalhes, você pode conferir a programação completa em <fcs.mg.gov.br/evento/mostra-os-trabalhadores-vao-ao-cinema>.

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