Pânico (1996) e O Massacre (1982): o que o terror slasher tem a dizer sobre si?
- Revista Curió
- 24 de out.
- 5 min de leitura
O icônico subgênero do terror passa dos 50 anos de idade, mas desde suas origens já ostentava uma capacidade especial de uso da metalinguagem
Por: Gabriel Monteiro

Macabros e misteriosos assassinatos em série, jovens inocentes tendo que lutar por suas vidas inesperadamente em meio a rotina pacata, violência gráfica dos tipos mais inusitados possíveis, e uma série de outros tropos e clichês que estamos todos acostumados a ver em filmes de terror povoam o universo da sétima arte há décadas, mas nem sempre foi assim. Em 1978 o cineasta John Carpenter deu vida a um filme que mudaria para sempre a forma como são contadas as histórias dentro do cinema: o clássico Halloween, que é tido por muitos como o primeiro longa a unir as características e estética que formaram o subgênero conhecido como slasher.
Apesar disso, Halloween não é necessariamente o primeiro filme a apresentar traços desse DNA, já que em 1974, O Massacre da Serra Elétrica já trazia jovens despreparados em perigo e a figura emblemática do assassino mascarado na forma do grotesco Leatherface, que serviu de inspiração direta para a criação, logo em seguida, de vilões como Michael Myers e Jason Voorhees. O importante é notar que o uso do termo DNA aqui não é por acaso. O slasher nasce de uma lenta construção dentro do terror, herdando características de clássicos ainda mais antigos como Psicose (1960) e dali em diante, segue evoluindo em forma de linhagem.

Da década de 1970 até os dias de hoje, o terror slasher manteve essencialmente a mesma base, mas no atravessar das eras diferentes autores se basearam naquilo que já havia sido feito para adicionar novas ideias e elementos ao gênero. Dentre vários talentosos artistas, o trabalho de um deles não apenas se destaca em sucesso e crítica, como foi responsável por viradas chave dentro desse universo: o genial Wes Craven.
Nos anos 1980, já em meio a explosão das produções slasher, Wes inicia a duradoura franquia A Hora do Pesadelo, protagonizada por um dos vilões mais icônicos da cultura pop mundial, Freddie Krueger, um ser paranormal cujo visual beira o caricato, destacando o lúdico e o surreal, aspectos que inesperadamente engrandeceram o tom medonho dos filmes e trouxeram novas possibilidades criativas dali em diante.
Mas é em 1996, mais de 20 anos depois de A Hora do Pesadelo, que Wes dá vida a sua maior experimentação no slasher que estabelece sua segunda franquia de grande sucesso com o lançamento de Pânico. Nessa série de longas, o objetivo principal é claro: usar e abusar da metalinguagem, contando histórias que conversam diretamente com os fãs do subgênero. O universo em que a narrativa se passa é criado para se aproximar o máximo possível da realidade do espectador, em que filmes clássicos como os anteriormente citados Halloween e Massacre da Serra Elétrica também existem e são famosos há décadas. Aqui os estereótipos e expectativas estabelecidas pelos slashers não são apenas conhecidos, mas constantemente reconhecidos e debatidos pelos personagens da trama.
Há muito o que se dizer (e se elogiar) sobre Pânico, que inaugura um momento no cinema em que o que o subgênero deixa de apenas olhar para si, mas também passa a falar sobre si mesmo, mas será que isso realmente começa apenas com esse longa?
O que Pânico e todos seus antecessores têm em comum é que, apesar de não aparentarem na superfície, o subgênero slasher também se enquadra no que chamamos de coming of age, histórias que retratam as angústias, desafios e mudanças pelas quais os jovens passam na transição da infância para a vida adulta. Não à toa o elenco da maioria dos filmes é composto majoritariamente por adolescentes em crise, abordando temas e situações envolvendo sexualidade, incertezas no futuro, relacionamentos e família. Indo mais a fundo, percebe-se que esses filmes de terror optam pelo oposto de transições lentas, pois através da violência extrema trazem uma abordagem drástica, a morte da inocência, uma bolha cotidiana que é quebrada pelos eventos que põe em movimento a história. A suspeita de traição entre um grupo, a morte de amigos e familiares e a destruição de lares e outras instituições que são consideradas seguras e confiáveis, como escolas e vizinhanças pacíficas, todas essas situações são responsáveis por abalar a perspectiva dos personagens, e aqueles que sobrevivem amadurecem a força e tem sua visão de mundo permanentemente alterada.

Com o olhar voltado para uma realidade cruel e dentro de um subgênero jovem, como seus personagens, mas já influenciado fortemente por seus vícios de linguagem, em 1982 a cineasta Amy Holden Jones dirige o filme O Massacre. O elemento principal que separa esse de seus pares é o olhar feminino da autora, que de forma inteligente e inventiva opta por não influenciar drasticamente a trama, que se desenrola como esperado, para que ao invés disso sua perspectiva possa ser percebida através da forma com que aquela narrativa é apresentada ao público.
Diferentemente do que se espera de um slasher, o assassino aqui não tem nome nem máscara ou qualquer característica visual marcante, seu rosto nunca se esconde e está sempre à espreita, acompanhado apenas de sua arma, uma furadeira. A escolha de uma utensílio de caráter tão obviamente fálico para o vilão não vem à toa, e o olhar doentio da personagem (que é interpretado fantasticamente por Michael Villela) representa um desejo masculino obsessivo que associa a violência aos impulsos sexuais e acompanha uma visão ainda mais íntima e predatória para com as personagens femininas do elenco: a visão do espectador. Durante todo o longa a autora filma uma série de takes longos que rodeiam sobre os corpos femininos em diferentes situações íntimas do dia a dia, seja no vestiário da escola ou na suposta segurança de suas próprias casas.
No Massacre, a autora brinca com as características que costumam separar as jovens e posicioná-las dentro de estereótipos. A final girl, heroína e usual única sobrevivente às narrativas slasher, costuma incorporar valores como inocência, humildade e castidade, enquanto aqui, a protagonista Valerie (interpretada por Robin Stille) dá indícios dessa caracterização, que é sutilmente desmentida no miolo da trama, pois é capaz de conversar tranquilamente sobre questões adjacentes a sua sexualidade, para além de afirmar sua autoestima ao pouco se abalar com a forma que é desprezada pelo outro núcleo de personagens.
Do outro lado, o resto do elenco feminino, cujas atitudes iniciais caracterizam personagens esnobes e superiores numa espécie de hierarquia escolar típica dos filmes americanos, é retratado em pé de igualdade com a protagonista, abandonando qualquer intenção de posteriormente vilanizá-las. O foco aqui é o que todas essas figuras têm em comum, a posição que se encontram diante do olhar masculino: alvos. Ao serem atacadas no clímax do filme, o vilão, diante das jovens, pronuncia suas únicas palavras em todo o longa: “Você é linda, todas vocês são muito lindas. Eu amo vocês. é necessário muito amor para fazer isso. Vocês sabem que querem isso, vocês vão gostar”. A trama de O Massacre se encerra como todo outro slasher, com o vilão derrotado deixando apenas algumas sobreviventes, mas a cena final não celebra qualquer tipo de vitória, pois a última coisa que vemos da protagonista é seu choro angustiante.

Apesar do impacto geracional de Pânico, é preciso entender que a capacidade metalinguística do terror slasher é anterior a qualquer tipo de revolução narrativa. Em sua essência, o subgênero cria sempre um pequeno retrato da realidade e o subtexto que tiramos disso não vem apenas do que é contado, mas também da forma escolhida para contar. Em O Massacre se vê na prática uma crítica a forma como subgênero (e o cinema de terror no geral) posiciona e retrata suas personagens femininas e mostra que para fazer um slasher que fale sobre o próprio gênero não é necessário ser literal, apenas refletir sobre que tipo de imagem somos acostumados a consumir e, assim, reconstruí-las.



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