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Tempo Rei: Gilberto Gil encerra com maestria sua trajetória nos palcos

  • Foto do escritor: Revista Curió
    Revista Curió
  • 25 de jun.
  • 4 min de leitura

Gil realizou sua última apresentação na capital mineira, que contou com mais de 30 músicas e emocionou os fãs com seus grandes sucessos da MPB


Por: Mariana Hermidas

Última Atualização: 25/06/2025



No sábado (14), Gilberto Gil trouxe a Belo Horizonte sua última turnê, chamada Tempo Rei. A apresentação aconteceu no estádio Mineirão, na Pampulha, e trouxe consigo alguns de seus maiores sucessos, como Não Chore Mais, Refavela, Toda Menina Baiana, Realce e Tempo Rei, que dá nome à tour.


Em Minas Gerais, 55 mil pessoas prestigiaram a última apresentação de Gil no estado. O show contou ainda com a participação do cantor Samuel Rosa, ex-vocalista do grupo mineiro Skank, que interpretou o hit Vamos Fugir, composto por Gilberto Gil e Liminha, para o álbum Raça Humana, lançado em 1984.


A apresentação da noite de sábado foi dividida em 3 atos: Subo nesse palco, Gil intimista e Se sentir alegre. O primeiro, introdutório, se inicia com Palco, em que Gil traz alegorias sobre a felicidade de se apresentar para o público, dizendo que, quando sobe no palco, sua “alma cheira a talco, como um bumbum de bebê” o que remete à infância, pureza e vida nova. Além dessa, outras canções marcantes como Cálice, imortalizada também na voz de Chico Buarque e Milton Nascimento, que foi um marco de resistência e resiliência durante a Ditadura Militar, e Refazenda, carro-chefe de seu álbum com o mesmo nome, também entraram no repertório do show de Gil.


 Já o segundo, “Gil intimista” trouxe canções românticas e melancólicas. a primeira música do ato, Se eu quiser falar com Deus, uma das mais intimistas, ilustra uma aproximação com o Deus cristão e como a humildade é o caminho para alcançá-lo. Em seguida, Drão embala todos com seu instrumental sinuoso e único. Essa, que pode ser considerada uma das músicas mais românticas dos anos 1980, é a sétima faixa do álbum Um Banda Um, de 1982, e fala sobre a dor insistente do fim de um amor verdadeiro, e como Gil vê esse rompimento de laços com outros olhos. Vale lembrar que Drão traz uma experiência pessoal de Gil, ao tratar do fim do seu casamento com Sandra Gadelha, romance que começou em 1968. O nome da música homenageia a ex-esposa de Gil, cujo apelido é Sandrão. A música, predileta da repórter que os escreve, instiga reflexões sobre a aceitação de um fim, maturidade emocional e gratidão pelo que passou.


O último ato, “Se sentir alegre”, trouxe músicas como Expresso 2222, Andar com Fé, Esperando na Janela, Aquele Abraço, com tom de despedida e gratidão, e Toda Menina Baiana, se despedindo dos palcos mineiros com um de seus maiores sucessos. E não foi ao vivo, mas a canção Sítio do Pica-Pau Amarelo, tema de abertura do seriado feito pela Rede Globo, que fez parte da infância de tantos brasileiros, tocou enquanto o público se dispersava.


Gilberto Gil, que já foi Ministro da Cultura do Brasil, conta com quase 65 anos de carreira na música. Em 6 décadas se aventurou por diversos gêneros, é uma referência do reggae no Brasil — trabalhando com artistas como o grupo The Wailers, em Vamos Fugir, de 1983 —, foi pioneiro do Tropicalismo, junto de artistas como Rita Lee, trazendo elementos do pop, rock e da psicodelia para a música brasileira, e com o tempo se consagrou como um dos cantores mais importantes da Música Popular Brasileira.


No último concerto de Gil em Belo Horizonte, a performance de Realce levou o público à histeria; a letra empolgante, o show de luzes e as animações coloridas nos telões, e a animação de Gil durante a canção trouxe uma sensação única, um misto de nostalgia e alegria por estar vivendo aquele momento. Alguns versos da música como “O afeto é fogo/ E o modo do fogo é quente/ e de repente a gente queimará” e “Realce!/ Quanto mais purpurina melhor” ilustram minimamente o sentimento de presenciar a apresentação de Gil, um Deus da música.


A apresentação de Refavela também foi um dos pontos altos do show. O single do álbum de mesmo nome, lançado em 1977, precede Realce, de 1979, e dá continuidade para o explorado em Refazenda (1975), trazendo diversos elementos da cultura negra, africana e afro-brasileira. A música é uma grande homenagem, e seu nome é um neologismo criado por Gilberto Gil, e significa “ressignificar o conceito de favela”, lugar que abriga arte, cultura e tradição brasileira, mas é atacado com o preconceito e é considerado pelos mais ricos como apenas um lugar pobre e repleto de criminalidade.


A canção se inicia com o verso “Iaiá, kiriê”, que são expressões do iorubá e do grego, respectivamente, que significam “senhor” e “sinhá”. Gil fala na música também sobre o movimento Black Rio, pincela sobre a rotina de moradores das favelas e traz outras referências ao continente africano, se consagrando como um grito e clamor à ancestralidade afro-brasileira.



Como dito anteriormente, Drão foi uma das canções mais emocionantes do concerto. Ao som do violão e da voz de Gil, as lágrimas caíram, e com elas o sentimento tomou conta de quem assistia a apresentação. Por ser a última apresentação do cantor na cidade, a música tinha um toque diferente, de encerramento de despedida e um aceno ao que passou e ficou na memória. Estar com pessoas queridas no show contribuiu para o sentimento singelo e melancólico que se mostrou ao longo de Drão.


Tempo Rei foi uma das mais belas, senão a mais, e Gil não poderia ter escolhido nome melhor para sua última turnê. Na canção, Gil traz reflexões profundas sobre o que conhecemos como “tempo”, e coloca à prova tudo o que sabemos sobre ele. Para Gil, Tempo-rei é a entidade soberana, capaz de alterar tudo e todos ao nosso redor.


Gil encerra com maestria sua carreira musical e se aposenta dos palcos com classe, e fica a mensagem divina para os brasileiros, de que o tempo está acima de nós e que cada um tem o seu tempo, ao passo que tudo que passa por ele é eternizado na sua existência, como o talento na composição e na voz de Gil, que muda, molda e representa e alegra a realidade de muitos até hoje, mesmo após 65 anos de sua estreia no cenário musical brasileiro. O tempo sempre será rei!


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