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Trap brasileiro sai fortalecido da estreia da 2ª edição do The Town

  • Foto do escritor: Revista Curió
    Revista Curió
  • 17 de set.
  • 6 min de leitura

Em meio às falhas de Travis Scott e aos imprevistos no show de Don Toliver, nomes nacionais entregam performances energéticas, cheias de hits e mostram que não devem nada aos gringos. 


Última atualização: 12/09/2025

Por: Pedro Falco e Pedro Naves


Principal palco do The Town, o Skyline. Foto: Reprodução/Internet.
Principal palco do The Town, o Skyline. Foto: Reprodução/Internet.

No primeiro sábado do mês, o The Town abriu as portas da Cidade da Música para sua segunda edição. Comandado pela Rock World, responsável também pelo Rock in Rio, o evento no Autódromo de Interlagos começou sob expectativas mistas. O histórico de problemas logísticos e a presença de nomes repetidos do RiR 40 Anos contribuíram para que nenhum dia tivesse ingressos esgotados até a véspera. Ainda assim, cerca de 100 mil pessoas passaram pelo festival em cada data.


Para o “trap day”,  os organizadores apostaram em um headliner de peso, ícones da cena nacional e novos nomes em ascensão. O fim de semana (6/9) marcou a quarta visita de Travis Scott ao Brasil, o retorno de Ms. Lauryn Hill e o início de uma nova fase para Don Toliver. Burna Boy brilhou no palco principal, o Skyline, por onde também passou Filipe Ret. Matuê, Teto e WIU fortaleceram o selo 30PRAUM, MC Cabelinho agitou o público e Karol Conka, ao convidar Ajuliacosta e Ebony, reforçou o protagonismo feminino no rap.


Apesar da expectativa em torno da grife gringa, os brasileiros roubaram a cena e justificaram a presença do público, diferente dos mais aguardados da noite. Don Toliver dividiu opiniões: encantou alguns, mas frustrou outros, já que sua apresentação precisou ser interrompida por questões de segurança. O rapper foi ao camarim e voltou ao palco sem tocar as famosas No Idea, CAN’T SAY e After Party.


O corte no repertório não foi compensado por seu colega de Cactus Jack, Travis Scott, que usou menos da metade das quase duas horas previstas. Principal atração do dia, tocou os maiores hits da carreira, mas fez apenas 46 minutos de show e parecia incomodado com algo. A postura surpreendeu, considerando que ele sempre declarou carinho pelo país e pelo público brasileiro. Todas as suas visitas ocorreram nos últimos três anos, algo raro para artistas de seu porte. Ainda assim, depois do atraso no Rock in Rio 2024, o clima de insatisfação se repetiu — agora em São Paulo.



É o rap, é o trap, é o funk!


Filipe Ret durante apresentação no The Town. Foto: Leo Franco/AgNews.
Filipe Ret durante apresentação no The Town. Foto: Leo Franco/AgNews.

Único brasileiro no palco principal, Filipe Ret abriu o Skyline com fogos de artifício, fumaça colorida e aviões no céu. Conquistou o público com um show quase impecável, que começou com Uma Era, passou por faixas dos álbuns Nume e Nume Epílogo e foi encerrado com a emocionante Deus Perdoa.


Figura central do rap nacional, Ret não é exatamente expoente do trap, mas mostrou que também serve, com propriedade, à vertente. No início da tarde, embalou F*F*M*, Good Vibe, Corte Americano, Visão de Cria 2 e War, aumentando a energia do festival e incendiando a plateia com sinalizadores e rodas punk. Também destacou Libertários Não Morrem, relembrando momentos marcantes da carreira.


Filipe chamou ao palco Alee, da gravadora NADAMAL, para cantar Tudo De Novo, e elevou o jovem de 24 anos ao posto de grande promessa do gênero. Em seguida, gritou por liberdade para Oruam, antes de apresentar Me Sinto Abençoado, feat com MC Poze do Rodo, também preso em 2025.


Afiado na presença de palco, o cantor planejou cuidadosamente o visual do show, usando os telões para transformar sua imagem em esculturas inspiradas na Grécia antiga, remetendo ao EP Novos Deuses. Com a difícil missão de abrir um palco, provou que o “trap day” era, por mérito, um lugar que merecia ocupar. 


Logo depois, MC Cabelinho manteve a vibração em alta. Mesmo no início do dia, encheu o palco The One e fez a plateia pular ao som de Vamo Marolar, Né Segredo e Essência de Cria, misturando rap e funk carioca. Relembrou suas participações em Poesia Acústica e homenageou Major RD com Só Rock 3, arrancando gritos tão intensos que, ousamos dizer, nem Travis conseguiu igualar.


MC Cabelinho durante apresentação no The Town. Foto: Natália Rampinelli/AgNews.
MC Cabelinho durante apresentação no The Town. Foto: Natália Rampinelli/AgNews.

Borges, presente na última Só Rock, teve o show reduzido a 15 minutos por problemas técnicos, mas ainda entregou um dos pontos altos do dia. Começou afirmando: “Eu tenho pouco tempo, mas eu vou fazer valer a pena, porra!”, e conseguiu. No Factory, um dos menores palcos do festival, fez o público cantar Assault (Carro Forte) e Iphone Branco, com quase 10 sinalizadores acesos ao mesmo tempo nas rodas punk.



Welcome to Cangaço!


Matuê durante apresentação no The Town. Foto: Reprodução/Instagram.
Matuê durante apresentação no The Town. Foto: Reprodução/Instagram.

Matuê voltou ao festival, novamente no The One.  O brasileiro mais aguardado do evento, entregou um setlist com canções do início da carreira e retomou a essência que o alavancou, se agarrando ao trap e evitando um estilo mais próximo ao pop/alternativo, que o acompanha desde o lançamento de seu último disco. A inovação esteve, também, no começo com Kenny G, sem banda, recurso que havia adotado nos últimos anos. Ao alterar a dinâmica do show, ele se diferenciou dos demais, que também se apropriaram dos instrumentos nas apresentações.


Com figurino inspirado no punk rock, estética utilizada por Playboi Carti e artistas do underground, alimentou rumores de novo projeto. A produção impressionou, embalando hinos como Honey Babe, Anos Luz e 333. Junto a Teto e WIU, apresentou Vampiro, e com Brandão85, Isso é Sério, reforçando a força da 30PRAUM. A plateia foi à loucura todas as vezes em que os rappers surgiam no topo da colina de gelo — cenário da apresentação. A sequência de músicas mais características do estilo, como Quer Voar e Luxúria, permitiu que os fãs transbordassem energia. Isso, porém, não impediu que o show tivesse momentos mais calmos e emocionantes, como em A Morte do Autotune. O cearense saiu do palco como o melhor da noite, provou que ainda sabe fazer trap e que não pertence menos ao gênero apenas por ter sido alçado a um lugar mais próximo ao pop.



Cabe todo mundo? 


Plateia durante show de Burna Boy. Foto: Divulgação/Instagram (@thetownfestival).
Plateia durante show de Burna Boy. Foto: Divulgação/Instagram (@thetownfestival).

A vertente pode ter saído fortalecida do The Town, porém alguns questionamentos seguem relevantes. Será que cabe todo mundo? O que a escolha dos artistas brasileiros diz sobre a cena? Os outros dias do festival abrigam nomes em ascensão, como Duquesa, Kayblack e TZ da Coronel, mas é interessante pensar no motivo de eles terem sido posicionados fora do “trap day”. 


A discussão vai além do festival. Artistas retintos, muitas vezes reconhecidos como nomes talentosos, como Brandão85, Alee e os já citados, ainda não recebem o mesmo destaque que outros. Muitas vezes, os poucos minutos que têm em palcos principais parecem ser o máximo permitido. Podemos mencionar também Major RD, que, imageticamente, representa auges do evento – mosh pits de Cabelinho e Borges —, ainda que não estivesse presente. Mesmo com a relevância alcançada e as marcas deixadas, o público ainda resiste a consumir esses nomes, reforçando o apagamento de traços negros para se adequar a padrões, o que parece seguir sendo incentivado.


A intolerância é tanta que nem os famosos escapam. Jotapê, rapper que surgiu das batalhas, relatou, em seu Instagram, um episódio de racismo no evento: foi acusado de roubo por jovens e seguranças até retirar a balaclava e ser reconhecido. Mas, e aqueles que não têm visibilidade? Em um dia dedicado ao gênero que representa a cultura preta, seus criadores não se sentiram seguros. As escolhas da lineup refletem a plateia, e o público, por sua vez, reforça as escolhas.



Reflexo da cena


Energia e união foram mobilizadas para construir e evidenciar o que é ser trap, mas muitos fãs mostraram desconhecimento da história. Nos dias que seguiram o festival, surgiram comentários minimizando relatos de violência nos mosh pits, especialmente contra mulheres e crianças. Querem participar das rodas, mas não entendem suas regras e o movimento.


Mosh pit no Endfest, em Washington/DC, 1991. Foto: Reprodução/Internet.
Mosh pit no Endfest, em Washington/DC, 1991. Foto: Reprodução/Internet.

Os mosh pits nasceram no movimento punk hardcore dos anos 80, nos EUA. Desde então, foram incorporados à cultura do rock e, mais recentemente, aos shows de hip-hop/rap. Existem algumas variações, mas as mais comuns são The Circle Pit e The Wall of Death. Os realizados durante o primeiro dia do The Town consistiam em uma adaptação dos dois formatos.


É importante entender que as rodas punk têm códigos de conduta — como evitar objetos perigosos e parar para ajudar quem cai. Sem essa conscientização, o risco aumenta, e conhecer a história passa a ser necessário para que o movimento aconteça de forma respeitosa.


Nesse quesito, observamos como o público da cena é reflexo dos artistas, já que as suas reações também pesam. Em um vídeo viral, Matuê comentou: “Tá com medo, fica em casa”. Embora compreensível, a fala reforça o distanciamento entre cantores, que deveriam incentivar a segurança, e fãs. No rock, os mosh pits são ambientes relativamente protegidos porque há atenção à tradição.


Quando citamos, anteriormente, o embranquecimento da cena, também falamos sobre esse distanciamento histórico. Diversas pessoas explicitaram nas redes sociais, depois do festival, que não sabiam quem era Ms. Lauryn Hill — um dos nomes internacionais da noite, dona de hits como Doo Wop (That Thing) e Ex-Factor e uma das últimas mulheres negras a ganhar um Grammy de Álbum do Ano. Em parte, isso é culpa da plateia, mas falta, por parte dos artistas, um esforço para relembrar quem abriu caminho.


Matuê, Teto e WIU reunidos no palco The One. Foto: Divulgação/Internet.
Matuê, Teto e WIU reunidos no palco The One. Foto: Divulgação/Internet.

É muito divertido fazer parte da ascensão de algo novo, como o trap, mas é preciso valorizar seus pioneiros. Os brasileiros mostraram talento no palco, mas, fora dele, ainda têm responsabilidade sobre o que inspiram em seus fãs.



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