Arraiá da Liberdade entre tradição e consumo
- Revista Curió
- 8 de jul.
- 4 min de leitura
A produtização cultural atinge os costumes populares?
Por: Vitória Lapa
Última atualização: 08/07/25

Criado em 2023, o Arraiá da Liberdade é um grande evento junino em Belo Horizonte acompanhado de outras programações temáticas durante a época de São João. Apesar de ser recente, o festejo tem ganhado destaque e público nos três anos de existência , celebrando a mineiridade com inúmeras atrações nos jardins do Palácio da Liberdade.
Toda a base das festas juninas em BH celebra a essência do mineiro de festejar: com muita gastronomia, músicas típicas e o espírito comunitário. As festas gratuitas, como o Arraiá da Liberdade, são extremamente importantes para a inclusão de todos os públicos e para fortalecer as arrecadações em vendas internas de cada uma. O Palácio da Liberdade recebeu, nos dias 27, 28 e 29 de junho, diversos espaços com música, dança, cultura, educação, gastronomia e economia criativa.
Dentre os principais destaques, houve a Feira da Agricultura Familiar em parceria com a Emater-MG, um espaço para as apresentações dos grupos de quadrilha Milho Verde, Sangê de Minas, Junina Tradição Mineira e Pipoca Doce e também para o público dançar forró no cair da noite com shows ao vivo de Izabella Brant, Pisa na Fulô e Tutu com Tacacá. Na seção histórico cultural, houve a exposição “A História da Chita”, exibição do documentário sobre festas juninas em Minas “Caminho da Roça” e intervenções artísticas na fachada do Palácio. Para celebrar a gastronomia mineira, o Espaço Quermesse contou com um cardápio diverso junino e, claro, o tradicional tropeiro.
Os eventos que acontecem no Palácio da Liberdade para além de suas visitas guiadas cotidianas, fazem parte do símbolo cultural do Circuito Liberdade e são organizados com muito esmero para preservar o imóvel de patrimônio histórico cultural, contando com equipe de segurança, controle na entrada, limpeza e brigadistas.
Celebrações históricas
As festas juninas combinam muito com Minas Gerais, pois, embora seja uma festividade mais clássica no Nordeste, une o ambiente rural, os ciclos de plantio e colheita e a essência de roça, tão comum aos mineiros. As diferenças em contraste às festas juninas do Nordeste vão além da culinária típica de cada um, pois os costumes mudam. Na Bahia, por exemplo, as datas associadas a santos são bem marcadas: Santo Antônio no dia 13 de junho, São João Batista no dia 24 e São Pedro, 29. Esses dias são celebrados com afinco, e somente durante o mês de junho é que ocorrem todas as festividades, não se estendendo a julho e agosto. Em cada localidade, há suas festas anuais como shows de artistas nacionais de forró e sertanejo, outras manifestações folclóricas e outras danças junto às quadrilhas.
As celebrações juninas, julinas e agostinas na capital mineira remontam ao antigo “Forró de Belô”, iniciado em 1979, que hoje é o grande Arraial de Belo Horizonte, a maior festa de São João das regiões Sul e Sudeste. No Arraial que leva o nome da cidade, acontece o Concurso Municipal das quadrilhas profissionais, o que gera incentivo à dança tradicional e um grande atrativo para o evento. Apesar de o Arraial de Belô ser o oficial da cidade, promovido pela Belotur, muitas outras celebrações longe dos holofotes compõem a tradição mineira, como as festas de ruas, quermesses de igrejas e arraiás organizados em bairros ou por movimentos sociais, por exemplo.
O Arraiá da Liberdade é organizado no âmbito estadual, com a Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult) à frente em conjunto com a Fundação Clóvis Salgado. À medida que foi tendo mais visibilidade e aumentando seu sucesso, grandes empresas passaram a patrocinar, como a Cemig por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura. Essa grande festa, juntamente ao Arraiá de Belô, integra uma estratégia de turismo, lazer e economia de política pública do programa Minas Junina, em prol de preservar as festas juninas tradicionais no estado mineiro. O fato do arraiá acontecer no Palácio é também uma estratégia para atrair diversos públicos em um local tão imponente e turístico na cidade, prova disso é todo o sucesso do evento que cresceu quase 20% em relação ao ano anterior.
Minas junina
O Minas Junina é uma ferramenta política que gera apelo ao turismo competitivo e renda. O programa movimenta os quadrilheiros profissionais, incentiva a cultura e a tradição junina, mas ao mesmo tempo também é uma forma de capitalizar a essência mineira. Pensar em como o Arraiá da Liberdade foi organizado é pensar na produtização de uma cultura viva. Os fortes investimentos juninos incentivam a performance de uma identidade caipira nos cidadãos mineiros. Por trás da elaboração, do planejamento, da execução, coordenação e divulgação do evento cultural, a indústria cultural segue comercializando tradições, costumes e símbolos de Minas Gerais.
A ideia de que a produção cultural passou a ter os mesmos passos do sistema capitalista foi formulada na década de 40 por Adorno e Horkheimer. Essa linha de pensamento mostra como os produtos culturais são consumidos em massa e voltados para o lucro, de forma que a indústria cultural padroniza as experiências e ignora a fluidez de culturas, como é o caso das tradições pulsantes de comunidades. O Arraiá da Liberdade, nesse sentido, não é uma manifestação espontânea, é um evento cooptado pela prefeitura para transformar a manifestação em uma grande festa “tradicional” com dinâmica de mercado. Se por um lado há a perda da identidade de forma autêntica, essa dinâmica também gera democratização e acesso independente de classe social, pois é uma cultura de massa que amplia o alcance e permite que mais pessoas experimentem.
As festas juninas possuem tradição histórica e valores perpetuados em toda a nação, onde acontecem um contraste entre o genuíno e o artificial, pois há o lado dos quadrilheiros que manifestam de forma legítima sua cultura popular e há o lado da dinâmica festiva criada pelo governo. Cada quadrilha inscrita no Concurso Municipal do Arraiá de Belô, por exemplo, recebe um auxílio financeiro de R$32,1 mil reais pela participação, além de troféus para os vencedores e prêmios que vão até R$17,5 mil. Dessa forma, a tradição junina é adaptada para o consumo turístico de muitas pessoas e transformada em produto.
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