Conheça 4 filmes nacionais da 19ª CineBH que chegam às telonas nos próximos meses
- Revista Curió
- 2 de out.
- 7 min de leitura
Atualizado: 3 de out.
A Curió destaca as principais pré-estreias brasileiras do festival que movimentou as ruas de BH no mês de setembro
Por: Ana Clara Moreira, João Pedro Ribeiro, Lara Gomes, Laura Torres e Pedro Naves
Última atualização: 02/10/2025

A conquista de Ainda Estou Aqui (2024) como Melhor Filme Internacional no Oscar 2025 foi a coroação do árduo trabalho dos realizadores do cinema nacional, muito bem representado na obra de Walter Salles. Na esteira do sucesso alcançado pelo longa, as produções nacionais ganham cada vez mais espectadores, um público curioso e interessado em consumir títulos com jeitinho de Brasil e muito diferentes das fórmulas repetitivas adotadas por grandes estúdios.
Uma das principais vitrines para estas obras foi a 19ª CineBH, que aconteceu entre os dias 23 e 28 de setembro, com a exibição gratuita de mais de 100 filmes na capital mineira. Durante os dias de programação, a equipe da Revista Curió acompanhou as principais pré-estreias e traz um resumo dos principais destaques do cinema nacional nos próximos meses.
Enterre Seus Mortos
Você acredita que o fim está próximo? Em Abalurdes, cidade fictícia onde se passa o longa Enterre Seus Mortos (2024), ele não apenas aparenta já ter chegado, como demonstra ter se tornado a normalidade. Entre chuvas de pedras flamejantes e a negação da própria humanidade, o UNA Belas Artes abriu as portas para receber o novo filme do diretor Marco Dutra durante a 19ª CineBH.
Em uma realidade distópica em alguma cidadezinha qualquer do interior brasileiro, Edgar Wilson (Selton Mello) trabalha como coletor de cadáveres de animais junto ao seu colega infame Tomás (Danilo Grangheia), um padre excomungado que insiste em distribuir extremas-unções aos mortos que encontra pelo caminho. Enquanto tenta manter o ceticismo num ambiente dominado por uma seita religiosa e uma crise sanitária, Edgar Wilson sonha em fugir de Abalurdes com sua amada Nete (Marjorie Estiano).
Adaptado do livro homônimo de Ana Paula Maia, o filme busca seguir a mescla de novela policial, faroeste de horror e romance filosófico da obra original. Do roteiro à direção de arte, das atuações à ambientação ou do rural ao urbano, o filme é muito bem-sucedido em construir uma atmosfera distópica brasileira em que prevalece a normalidade do absurdo – ou a absurdez do normal, dependendo do ponto de vista.

Na obra, Marco Dutra constroi um complexo mosaico de temas que vem sendo constantemente debatidos pela sociedade brasileira – fanatismo religioso, indiferença social, crise sanitária (muito à luz da pandemia do covid-19), corrupção e muito mais. Esses fios discursivos se entrelaçam para formar uma rede que pode se tornar uma armadilha ao espectador mais desatento, mas que garante uma jornada extremamente única no cinema nacional.
Com estreia marcada em todo o Brasil para o dia 30 de outubro, Enterre Seus Mortos é, sem dúvida alguma, um longa que pergunta demais e responde de menos. Por mais que a execução possa desagradar parte do público devido a esse alto teor complexo (que às vezes é mal direcionado e estruturado), Selton Mello e companhia fornecem uma experiência que vale a pena ser vivida pelo menos uma vez por todos aqueles que vivenciam esses absurdos cotidianamente – mas que, ao contrário da maioria dos personagens da obra, lutam para que não sejam normalizados.
O Agente Secreto
Representante do Brasil na próxima edição do Oscar e com estreia marcada para o dia 6 de novembro, O Agente Secreto (2025) foi o filme de abertura da 19ª CineBH. A exibição do longa provocou filas extensas, com uma audiência cheia de expectativas em relação ao título estrelado por Wagner Moura e Maria Fernanda Cândido. A história é ambientada no ano de 1977, em pleno Carnaval de Recife, o que muitas vezes contrasta o clima festivo com a tensão vivenciada pelos personagens.
Diante de um contexto de repressão e ameaças, o professor universitário Marcelo (Wagner Moura) deixa São Paulo e vai para a capital pernambucana, onde pretende ficar pouco tempo, apenas o suficiente para buscar o filho, resgatar um arquivo e deixar o país. Com o apoio de Elza (Maria Fernanda Cândido), Alexandre (Carlos Francisco) e Dona Sebastiana (Tânia Maria) – esta última com uma das melhores atuações entre os coadjuvantes –, ele se empenha em descobrir as motivações das pessoas que o perseguem, ao mesmo tempo que tenta escapar delas.

Mesmo sem menções explícitas à ditadura, o filme tem cenas muito fortes que retratam a corrupção, a violência e o ambiente opressivo predominantes no Brasil durante o regime militar. Ainda assim, o público pode esperar momentos de alívio cômico bem dosados, que acrescentam à narrativa novas possibilidades de reflexão sobre o que era real e o que era inventado naquela sociedade cuja liberdade de expressão era amplamente cerceada.
Para não fugir da inevitável comparação com Ainda Estou Aqui (2024), vale destacar a fala do próprio Kleber Mendonça Filho, diretor do filme, que o classificou como “mais cético” do que o trabalho de Walter Salles. Embora ambos sejam ambientados no mesmo período histórico e tenham como tema central a questão da memória, O Agente Secreto é bastante diferente tanto na forma quanto no conteúdo, mas não perde em nada para o antecessor na disputa pelo prêmio mais importante do cinema mundial.
Aqui Não Entra Luz
Vencedora do prêmio de Melhor Direção no Festival de Brasília 2025 por Aqui Não Entra Luz (2025), Karol Maia parte do desejo de documentar situações de violência e exploração que ainda permeiam a realidade de mulheres no trabalho doméstico no Brasil. Filha de trabalhadora doméstica, a diretora propõe um olhar sobre as experiências dessas mulheres sem reduzi-las a um papel de vítima, mas construindo um retrato sensível e emocionante que entende cada personagem e as intersecções enquanto mulher e mãe, pensando na individualidade delas como ponto de partida para narrativas que revelam suas resistências cotidianas, afetos e potências.

O filme percorre quatro estados do Brasil e parte da proposta de identificar traços de uma estrutura escravocrata na arquitetura do país, analisando a presença do “quartinho da empregada” nas casas brasileiras como elemento de manutenção da segregação e hierarquias sociais. Karol Maia constrói o filme a partir de memórias íntimas trazendo a perspectiva de suas referências periféricas para construir sentidos e conexões entre as narrativas das entrevistadas.
Após a primeira exibição em Brasília, o longa compôs a programação da Mostra Vertentes na CineBH, no dia 27 de agosto, em pré-estreia nacional com presença da diretora, da produtora e de duas das entrevistadas em um bate-papo que cativou os presentes em uma sala cheia no Cine Humberto Mauro. O filme, que chega aos cinemas no primeiro semestre de 2026, abre caminhos para discussões sobre direitos trabalhistas e questões sociais no país de forma sensível e sincera.
Assalto à Brasileira
Em uma das últimas sessões da CineBH, a Mostra Vertentes exibiu o longa Assalto à Brasileira (2025), dirigido por José Eduardo Belmonte. O filme, que tem previsão de estreia em 2026, é baseado em acontecimentos reais que narram o assalto ao Banestado (Banco do Estado do Paraná), ocorrido em 1987 na cidade de Londrina.
O diretor, em comentários que sucederam a exibição no Cine Belas Artes, destacou como a conexão entre ficção, os reais envolvidos no acontecimento e a cena do crime foram cruciais para chegar ao resultado desejado. Belmonte buscou realizar um projeto que retratasse com fidelidade a realidade, o que pode ter prejudicado o filme. Sem pensar em acontecimentos, viradas criativas ou formas diferentes de filmar os eventos narrados, o diretor cai em uma fórmula que para alguns pode ser cansativa. A mediação entre os assaltantes e a polícia, por exemplo, entra em um ciclo que só é quebrado no clímax final.
No entanto, o autor consegue chamar a atenção estabelecendo uma forte relação entre o longa e o filme Um Dia de Cão (1975), do diretor americano Sidney Lumet, por ambos tratarem de um assalto real a uma agência bancária que se transforma em um espetáculo midiático no decorrer do dia. A principal diferença entre os dois filmes é o tom totalmente abrasileirado, já que a narrativa alterna momentos de tensão com um humor que só a audiência brasileira entende, representando um jogo de cintura para lidar com situações complexas que é característico da realidade brasileira, majestosamente amparado pela escalação do elenco.

Em uma mistura de novas e velhas gerações – com nomes como Christian Malheiros e Murilo Benício –, o filme traz uma dinâmica que verdadeiramente faz jus ao termo “à brasileira” que está no título. Além disso, o longa americano foca muito mais no drama psicológico dos protagonistas e em seus dilemas morais, enquanto o brasileiro reforça a desigualdade social como um motor para o assalto. Ao mesmo tempo, tanto Lumet quanto Belmonte não retratam os criminosos como vilões, mas apresentam personagens humanizados que são vítimas de um sistema opressor.
Instigado por uma pergunta da audiência, Belmonte também revelou uma curiosidade ao público: há uma “lenda urbana” que diz que, uma semana antes do assalto ao Banestado, o filme protagonizado por Al Pacino foi exibido em um canal de TV aberta. Ou seja, realmente existe uma chance dos assaltantes brasileiros terem se inspirado na história dirigida por Lumet.
Belmonte pode não ter entregado uma abordagem impecável, mas seu filme diz muito sobre o que foi a CineBH e a Mostra Vertentes. Ele mostra como existem diferentes cinemas brasileiros dentro deste que por muitas vezes foi considerado um único gênero. Não foi exibido um “filme brasileiro”, mas um filme de assalto – assim como Um Dia de Cão.



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